Título: BUROCRACIA TRAVA O CRÉDITO
Autor: Ana Cecilia Santos
Fonte: O Globo, 20/09/2006, Economia, p. 27

42,5% das empresas criticam excesso de garantias e um terço usa empréstimo para saldar imposto

O que mais dificulta o acesso ao crédito pela indústria são as exigências de garantias e a burocracia. A conclusão é de uma pesquisa inédita da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Quase a metade dos empresários, 42,5%, citou a imposição de apresentar garantias reais ou fiador como o principal problema enfrentado no acesso ao crédito. Outros 32,5% apontaram o excesso de documentos e informações cadastrais como um dos maiores entraves. Um outro dado chamou a atenção: um terço dos empresários usa o dinheiro para pagar tributos ao governo.

- A taxa (básica de juros) Selic vem caindo, mas ainda é alta e a queda no spread bancário (diferença entre o custo de captação dos bancos e os juros cobrados dos clientes) não é proporcional. É preciso adotar medidas de recuperação do crédito para diminuir os juros. Porém, mesmo quando o empresário aceita o juro alto, a burocracia e as exigências atrapalham - disse a economista Luciana de Sá, chefe da Assessoria de Pesquisas Econômicas da Firjan.

A venda casada, ou seja, a aquisição de algum produto junto ao agente financeiro como condição para a liberação do crédito, o que é proibida por lei, também foi citada por 33,8% dos entrevistados - que, em algumas questões da pesquisa podiam apontar mais de uma opção.

A pesquisa, feita no mês passado em parceria com a CNI, ouviu empresários de 177 indústrias fluminenses. Os bancos privados aparecem como o principal agente financeiro com o qual a indústria se relaciona (73,8%), seguidos pelos bancos públicos e pelas empresas de factoring. Dentre os financiamentos de curto prazo mais usados pelas empresas estão o cheque especial (53,8%); o desconto de duplicatas (48,8%); e as linhas de capital de giro (26,3%).

- Em quarto está o desconto de cheque junto a empresas de factoring, usado basicamente pelas empresas de pequeno e médio porte, o que evidencia a dificuldade das mesmas em acessar o crédito na rede bancária - explicou Luciana.

No Rio, cooperativa de crédito em estudo

Muitos empresários também recorrem ao crédito de curto prazo para quitar outras dívidas o que, segundo a economista, preocupa:

- O dado aponta um comprometimento da saúde financeira, já que a empresa precisa tomar dinheiro para rolar dívidas.

Sérgio Oehler, sócio da True System, uma pequena empresa que há 11 anos fabrica software para vendas via telefone móvel, disse que a dificuldade de acesso ao crédito limita o crescimento do negócio:

- A empresa tem uma boa saúde financeira, mas poderíamos estar crescendo mais rápido se o acesso ao crédito fosse mais fácil. Chego a recusar pedidos. O maior entrave é a exigência de garantia. Os sócios acabam oferecendo seus bens pessoais.

Oehler, que emprega dez funcionários, reclama dos impostos:

- Estamos sujeitos às mesmas leis de uma multinacional. Em média, 45% do nosso faturamento são usados para o pagamento de impostos.

Um dos pontos da pesquisa que surpreendeu a economista da Firjan foi justamente o que mostrou que 35% das empresas tomam dinheiro a curto prazo para atender obrigações fiscais e previdenciárias. O dado revela o peso da mordida dos impostos e contribuições nos negócios. Afinal, a carga tributária nacional já passa de 37% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de riquezas produzidas).

- As empresas se endividam para pagar tributos em vez de investir no negócio. A ampliação do prazo de recolhimento dos impostos, que em casos como o da contribuição previdenciária são exíguos, poderia melhorar a situação - disse Luciana.

Para a economista, o crescimento da oferta de crédito está limitado à pessoa física. Um levantamento da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), com base em dados do Banco Central, mostra que, de dezembro de 2000 a julho de 2006, as operações de crédito livre para pessoas físicas cresceram 230%, enquanto para pessoas jurídicas a expansão foi de 93%.

Segundo Claudino Brasil da Nóbrega, sócio da Casalite Indústria e Comércio, fabricante de telhas e caixas d'água, instalada há 24 anos em Duque de Caxias, o alto custo do crédito freia os investimentos:

- Para entrar em novos mercados é preciso ter recursos para girar o negócio. Mas o spread bancário é muito alto. As sucessivas quedas na taxa Selic não estão se refletindo no custo do dinheiro. No desconto de duplicata, um dos instrumentos mais usados, por exemplo, os juros chegam a 3% ao mês.

A Firjan estuda criar uma cooperativa de crédito como uma alternativa aos atuais agentes financeiros:

- A cooperativa oferecerá juros mais baixos, o que pode forçar uma mudança na política dos bancos.

Ademiro Vian, assessor sênior da Área de Produtos e Financiamentos da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), disse que as instituições precisam oferecer crédito com mais foco, direcionado a setores específicos:

- Os bancos têm criado produtos, normas internas e linhas de crédito para as micro, pequenas e médias empresas. Mas é preciso aperfeiçoar os produtos para atender a cada segmento da indústria.

Vian também acha que falta informação por parte dos empresários:

- Muitos não sabem que têm bons recebíveis (receitas que não entraram no caixa mas são transformadas em títulos e vendidas) que podem se transformar em dinheiro. Falta um pouco de informação sobre as modalidades de operação existentes no mercado.