Título: Golpe militar derruba governo na Tailândia
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Fonte: O Globo, 20/09/2006, O Mundo, p. 35

Comandante do Exército revoga a Constituição, impõe lei marcial e destitui premier, que está nos EUA

Depois de ser palco durante meses de intensos protestos, eleições convocadas e canceladas e paralisia política, a Tailândia iniciou a noite de ontem com uma nova liderança. Aparentemente aproveitando-se da viagem do primeiro-ministro Thaksin Shinawatra a Nova York, onde participava da Assembléia Geral da ONU, o comando do Exército tomou o controle da capital, Bangcoc, com tanques e tropas, destituindo o premier. Liderados pelo chefe do Exército, o general Sonthi Boonyaratglin - aliado à principal força de oposição, o Partido da Reforma Democrática (PRD), e à polícia de Bangcoc -, os militares tailandeses declararam lei marcial e suspenderam "temporariamente" a Constituição do país do Sudeste Asiático.

Boonyaratglin foi declarado primeiro-ministro em exercício e, num anúncio em rede nacional de TV na manhã de hoje (madrugada no Brasil), acusou Shinawatra de corrupção e nepotismo e prometeu que o poder voltará para o povo.

- O conselho não tem intenção de governar o país sozinho e devolverá o poder sob a monarquia constitucional ao povo assim que for possível - disse Boonyaratglin, ao lado de quatro outros líderes do Conselho de Reforma Política, que tomou o poder.

Vice-premier é detido, dizem fontes

O general, de origem muçulmana (minoria no país, majoritariamente budista), é considerado moderado e defensor da monarquia constitucional tailandesa, que reconhece um monarca eleito ou hereditário como chefe de Estado. Tanto que Boonyaratglin se apressou em se encontrar com o rei Bhumibol Adulyadej, no Palácio Real de Bangcoc, horas após o golpe. O porta-voz do Exército informou que o rei havia sido avisado e que os militares e a oposição se encontrariam, ainda hoje, com autoridades políticas e institucionais. As tropas que tomaram as ruas e cercaram o Parlamento usaram laços amarelos em seus uniformes e armas, um sinal de lealdade a Adulyadej que, por sua vez, já havia criticado a política de Shanawatra.

- O comandante das Forças Armadas e o da polícia nacional controlaram com sucesso Bangcoc, para manter a paz e a ordem. Realizamos isso sem danos à população, de quem esperamos compreensão e para quem pedimos desculpas por qualquer inconveniência - disse o coronel Akarat Chitroj, porta-voz do Exército.

Segundo fontes militares, vários colaboradores de Shinawatra foram presos, entre eles o vice-premier Chidchai Vanasathidya, que também ocupava o cargo de ministro da Justiça.

Vários golpes de Estado ocorreram na Tailândia desde a Segunda Guerra Mundial, mas este é o primeiro desde 1992. Thaksin Shinawatra, que é um dos homens mais ricos do país, com fortuna pessoal estimada em US$1 bilhão, estava em seu segundo mandato. Os militares declaram feriado nacional hoje, "para ajudar a manutenção da ordem".

Ainda não está claro o que acontecerá com Thaksin Shinawatra, de 56 anos. Ele chegou a participar de alguns encontros da assembléia, mas cancelou o discurso que faria ontem à tarde no plenário da ONU. Shinawatra acompanhou os desdobramentos em seu país de um quarto no luxuoso Hotel Grand Hyatt, em Manhattan, e, segundo fontes próximas, deveria deixar Nova York para local não revelado.

Ironicamente, ele, que é empresário do ramo de telecomunicações, telefonou para uma rede de TV tailandesa, declarando "estado de emergência no país" e negando o golpe, mas suas ordens foram ignoradas pelos militares e a ligação foi cortada enquanto Shinawatra ainda falava. Redes de TV estrangeiras, por meio das quais os tailandeses puderam acompanhar as primeiras informações sobre o golpe, tiveram suas transmissões cortadas horas depois do anúncio dos militares. Somente uma rede de TV local funcionou, exibindo imagens do rei.

O ex-primeiro ministro tailandês Chuan Leekpai disse que Thaksin, acusado de corrupção e abuso de poder, "forçou a ação militar":

- Como políticos, não apoiamos nenhum tipo de golpe mas, nos últimos cinco anos, Thaksin criou uma série de condições que forçaram a atitude militar. Thaksin provocou tudo.

Devido à crise, que perdura há um ano, Shinawatra havia convocado eleições três anos antes do fim do mandato. A votação, ocorrida em abril, sofreu um boicote da oposição, foi cancelada e remarcada para entre outubro e novembro. Segundo especialistas, ela seria vencida por Shinawatra e seu partido, o populista Thai Rak Thai (tailandeses amam tailandeses), porque o premier é extremamente popular entre a massa rural, principalmente devido a suas políticas assistencialistas. A impopularidade prevalecia entre as classes urbanas de Bangcoc e os militares - para quem Shinawatra não passava de um "capitalista cínico e um populista", que saqueou os cofres públicos e subverteu a democracia para beneficiar sua família e seus amigos do mundo dos negócios.

O Berlusconi da Ásia e a crise política

Apelidado de o Berlusconi da Ásia - referência ao multimilionário ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi - o premier tailandês, Thaksin Shinawatra, além de igualmente rico e amante de futebol (chegou a fazer uma oferta para comprar o time inglês Liverpool), teve uma carreira política meteórica. Premier pela primeira vez em 2001, quando o partido fundado por ele, o TRT, obteve maioria no Parlamento, iniciou seu segundo mandato depois da reeleição, em fevereiro de 2005. No início de 2006, intensificaram-se acusações de fraude fiscal, abuso de poder, controle excessivo da mídia, e de "dar de mão beijada" o que era considerado um patrimônio nacional da Tailândia - Shinawatra vendeu, por quase US$2 bilhões, ações de sua empresa, a Shin Corp, a investidores de Cingapura, que não teriam pago os devidos impostos sobre a compra.

Isso forçou-o a dissolver o Parlamento e a convocar novas eleições - três anos antes do previsto. A votação ocorreu em 2 de abril, sob intensos protestos e boicote da oposição, e o Parlamento não pôde ser escolhido. Declaradas inconstitucionais, elas foram canceladas e ocorreriam novamente em outubro ou novembro.

Nascido em 1949, Shinawatra freqüentou academias policiais e fez mestrado em criminalística nos EUA. De volta à Tailândia, trabalhou na Polícia Metropolitana de Bangcoc, antes de fundar, em 1987, a Advanced Info Service (AIS), locadora de computadores. A expansão resultou no conglomerado Shinawatra Computer and Communications (Shin Corp.), que, além de ser a maior operadora de telefonia celular da Tailândia, possui redes de TV a cabo e satélites.

A carreira política começou em 1994, quando foi nomeado ministro de Relações Exteriores. Depois, foi vice-primeiro-ministro, desligando-se de cargos públicos e flertando com a oposição algumas vezes. Em 1998, fundou o TRT. Como primeiro-ministro, destacou-se positivamente ao liderar a Tailândia na recuperação pós-tsunami, em 2004, e negativamente pela repressão policial que imprimiu contra o tráfico de drogas, em 2003, que deixou um rastro de 2.500 mortos e variadas acusações de abusos de direitos humanos. O premier também foi criticado, inclusive pelo rei, Bhumibol Adulyadej, por comandar uma repressão violenta a grupos separatistas islâmicos do sul, em 2004, na qual 1.300 pessoas foram mortas.