Título: Coordenador de Mercadante negociou dossiê
Autor: Flávio Freire, Sergio Roxo e Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 21/09/2006, O País, p. 13

Hamilton Lacerda, que trabalhava para petista, esteve na redação da 'IstoÉ'; ontem, foi afastado pelo candidato

SÃO PAULO. Hamilton Lacerda, coordenador de comunicação da campanha de Aloizio Mercadante (PT) ao governo de São Paulo e principal nome do PT na região do ABC, foi quem negociou com a revista "IstoÉ" a entrevista em que os empresários Darci Vedoin e Luiz Antônio Vedoin divulgaram dossiê contra José Serra, adversário do petista na disputa paulistana, e Geraldo Alckmin, candidato à Presidência. A "IstoÉ" confirmou ontem a identidade e a passagem do petista pela redação, no último dia 7, informando que Hamilton Lacerda, apresentando-se como Hamilton do PT, informou que os Vedoin tinham material com fotos e vídeos que atingiriam ainda o ex-ministro da Saúde Barjas Negri.

Mercadante afastou Hamilton Lacerda da campanha ao ser avisado do envolvimento do assessor. Agora sobe para oito o número de petistas citados no escândalo do dossiê. Na campanha de Mercadante, ele era coordenador de comunicação, desde os programas de TV ao relacionamento com a imprensa.

Mercadante: "É quebra de confiança, não posso aceitar"

Diante do interesse da revista, o petista teria informado que voltaria a conversar com os empresários. Uma semana depois, Lacerda telefonou informando que o advogado dos Vedoin autorizara a entrevista. A revista nega ter negociado valores pela divulgação do dossiê.

No telefonema, Lacerda orientou o jornalista da "IstoÉ" Mário Simas Filho a viajar para Cuiabá e lá procurar Otto Medeiros, advogado dos empresários. Medeiros levou o jornalista à casa dos Vedoin, onde estavam Osvaldo Bargas e Expedito Veloso, que acompanharam a entrevista. Bargas é o responsável pela elaboração do capítulo de Trabalho e Emprego do programa de governo de Lula. Expedito, filiado ao PT, era diretor de Gestão de Risco do Banco do Brasil e pediu afastamento do cargo.

A equipe da "IstoÉ" teria feito a entrevista sem identificar Bargas e Expedito Veloso, nomes que surgiram após depoimento do advogado Gedimar Passos, preso quando negociava o dossiê num hotel de São Paulo. Na conversa, Lacerda disse que era do PT e falava em nome dos Vedoin. Pai e filho, Darci e Luiz Antônio Vedoin são donos da Planam, empresa que se transformou no pivô das denúncias sobre a compra superfaturada de ambulâncias em todo país.

A denúncia se transforma num golpe contra a candidatura de Mercadante:

- Ele jamais me consultou sobre essa iniciativa, jamais autorizei ou autorizaria, e todos na minha campanha sabem disso. Não sei que tipo de envolvimento ele teve. Houve, do meu ponto de vista - disse Mercadante, abatido, que espontaneamente tocou no assunto em entrevista ontem.

- Qualquer que tenha sido a participação, sem minha autorização, sem meu conhecimento, sabendo que sou contra, era contra e serei contra, é quebra de confiança, não posso aceitar.

À noite, Lacerda divulgou nota confirmando seu envolvimento no caso e isentando Mercadante. Lacerda contou ter sido procurado pelo petista Jorge Lorenzetti, que lhe disse ter informações sobre o envolvimento de tucanos com os sanguessugas e pediu-lhe para entrar em contato com algum órgão de imprensa. Lacerda então procurou a "Isto É". Disse que em nenhum momento houve oferta de dinheiro no caso.

(*) Do Diário de S. Paulo

Um integrante da 'República do ABC'

Hamilton Lacerda foi vereador três vezes em São Caetano

SÃO PAULO. Hamilton Lacerda é um dos nomes da chamada "República do ABC", de onde saíram alguns dos principais nomes do partido e região onde vive parte dos envolvidos no escândalo da compra de dossiê, como o ex-assessor especial da Presidência, Freud Godoy. Ele foi apontado por Gedimar Passos - que trabalhava na campanha do presidente Lula e foi preso semana passada quando negociava a compra do dossiê contra tucanos - de ser o mandante da operação.

Aos 40 anos, Lacerda é coordenador da campanha do petista Aloizio Mercadante na macro-região do ABC, que inclui as cidades de Santo André, São Bernardo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Foi vereador em São Caetano em três mandatos consecutivos e na eleição a prefeito, em 2004, ficou em segundo lugar.

Mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), segundo consta em sua página pessoal na internet, Lacerda teve como orientador na faculdade o prefeito Celso Daniel, morto em janeiro de 2002.

O petista também é formado em engenharia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dá aulas de Economia na Faculdade Editora Nacional (Faenac) e é empresário do setor imobiliário.

Mercadante sobe; Serra mantém vitória

Primeira pesquisa após escândalo mostra decisão no primeiro turno

SÃO PAULO. O candidato do PT ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, subiu cinco pontos percentuais, segundo o Datafolha, na primeira pesquisa depois de seu nome ser envolvido no escândalo da compra do dossiê contra José Serra, do PSDB. Mercadante foi de 18% para 23% mas ainda perderia no primeiro turno para Serra, que oscilou de 49% para 48%. Segundo o levantamento, o tucano tem 56% dos votos válidos contra 44% dos demais.

Orestes Quércia (PMDB) caiu de 11% para 9%, Carlos Apolinário (PDT) manteve os 2% da pesquisa anterior assim como Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), que tem 1%. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Votos nulos e em branco somam 7%, e 7% não sabem ou não opinaram. O Datafolha fez uma simulação de segundo turno entre PSDB e PT. Pelo levantamento, o tucano tem 57% das intenções de voto, contra 33% de Mercadante. O Datafolha ouviu 2.030 eleitores, em 64 municípios, entre os dias 18 e 19 de setembro. A pesquisa, número 005969/2006 no Tribunal Regional Eleitoral, foi feita sob encomenda para a Rede Globo e o jornal "Folha de S. Paulo".

Serra: PT queria ajudar Mercadante

O ex-prefeito José Serra, candidato tucano ao governo de São Paulo, acusou ontem seu adversário na disputa estadual, Aloizio Mercadante (PT), de estar por trás, juntamente com o PT, da compra do dossiê contra a candidatura do PSDB no estado. Serra afirmou que o escândalo é uma "baixaria eleitoral" e que espera eficiência da Polícia Federal para investigar o caso.

- Tratou-se de uma baixaria eleitoral, mais imediatamente para beneficiar o candidato do PT em São Paulo. Uma baixaria organizada pelo PT, pelo presidente do PT, pelos integrantes do PT em São Paulo e pelo candidato do PT em São Paulo. Trata-se de deliqüentes. É a comercialização da baixaria - disse o candidato, que reagiu com ironia às declarações do presidente Lula de que a oposição quer "melar" o processo eleitoral:

- Então são golpistas do próprio PT? O Berzoini está dando golpe contra ele?

Ao ser perguntado sobre uma declaração de Mercadante, de que o PSDB teria tentando comprar o dossiê contra ele, Serra foi mais uma vez irônico:

- Tadinho do Aloizio.

Os outros sete envolvidos

Hamilton Lacerda, coordenador de comunicação da campanha de Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo, é a oitava pessoa ligada ao PT envolvida na negociação do dossiê contra os principais candidatos tucanos. A lista vai de assessores e amigos do presidente da República com cargos no governo ao presidente do partido - afastado ontem.

FREUD GODOY: o empresário, apontado como mandante da compra do dossiê, é há 17 anos homem de confiança de Lula, de quem era, até segunda-feira, assessor especial.

RICARDO BERZOINI: comandou os ministérios da Previdência e do Trabalho e assumiu a presidência do PT na crise do mensalão. Era coordenador da campanha à reeleição.

JORGE LORENZETTI: o churrasqueiro preferido do presidente Lula integrava, até terça, o comitê de campanha à reeleição chefiando um núcleo de informação e inteligência.

OSVALDO BARGAS: Amigo de Lula, é marido da secretária do presidente. Foi secretário e chefe de gabinete do Ministério do Trabalho. Colaborou no plano de governo.

GEDIMAR PASSOS: Agente federal aposentado e advogado, trabalha na campanha de Lula, e foi incumbido de analisar o conteúdo do dossiê. Foi preso com parte do dinheiro.

VALDEBRAN PADILHA: filiado ao PT, foi tesoureiro da campanha de Alexandre Cesar, candidato petista a prefeito de Cuiabá, em 2004. Foi preso com parte do dinheiro.

EXPEDITO AFONSO VELOSO: o diretor do Banco do Brasil se licenciou para trabalhar na campanha de Lula.Teria negociado a compra do dossiê com os Vedoin.