Título: FH: 'Não posso achar que o presidente é tão ingênuo'
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 21/09/2006, O País, p. 17

De Nova York, ex-presidente rebate ataques de Lula à oposição e diz duvidar que ele não soubesse de nada

NOVA YORK. "Eu não posso achar que o presidente do meu país é tão ingênuo assim. Se é tão ingênuo assim, é grave". Com essas palavras, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso referiu-se à possibilidade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter conhecimento de que pessoas do governo e do PT teriam tentado comprar um dossiê com acusações aos candidatos tucanos Geraldo Alckmin e José Serra.

Fernando Henrique rebateu também as acusações de Lula, de que a oposição estava querendo "melar o processo eleitoral" com a intenção de impedir que ele conquistasse um segundo mandato, já que todas as pesquisas de opinião indicam que ele pode vencer no primeiro turno.

- A oposição não quer melar nada, o governo é que tem de tirar esse mel, esse melaço que está em cima dele - reagiu Fernando Henrique.

Por uma estranha coincidência, Lula e Fernando Henrique foram a Nova York no momento em que a nova crise política estourou no Brasil. O presidente, que viajou para discursar na abertura da assembléia-geral da ONU, terça-feira, acusou a oposição de estar atiçando fogo com o objetivo de atingi-lo para conseguir ganhos eleitorais. Lula foi embora, mas Fernando Henrique continua em Manhattan e ontem participou, com 50 chefes ou ex-chefes de Estado de um grande seminário, promovido pelo ex-presidente Bill Clinton.

FH rejeita comparação com dossiê Cayman

Foi daqui que ele rebateu Lula mas, desta vez, mostrou-se cauteloso ao escolher as palavras para comentar a nova crise no Brasil, alegando que está fora do país há quase uma semana. Observado por Dona Ruth Cardoso, ressaltou que não queria prejulgar ninguém mas considerou extremamente grave as acusações, e disse que o governo tem a obrigação de contar objetivamente ao país quem comprou o dossiê com acusações falsas contra candidatos do PSDB.

- Tem que entregar as pessoas que fizeram essas coisas equivocadas, se é que essa ordem não veio de cima. Não tem nada a ver com a oposição, tem a ver com o governo, com o PT - disse Fernando Henrique.

O ex-presidente rechaçou também a comparação feita por Lula entre o dossiê Vedoin e o dossiê Cayman, a série de acusações falsas reunidas contra tucanos, inclusive o ex-presidente e José Serra, candidato ao governo de São Paulo. Fernando Henrique reconheceu que, na época, o então candidato Lula recusou-se a usar o material para atacar o adversário politico, mas lembrou que, daquela vez, o governo não fora acusado de envolvimento.

Segundo ele, não é a primeira vez que se usa dossiês no Brasil, mas é a primeira vez que a máquina do governo ou do partido que está no poder parece estar patrocinando o crime

- O dossiê Cayman foi feito contra o governo, não pelo governo ou por pessoas da máquina do governo e do PT . Não adianta comparar coisas que não são comparáveis - disse Fernando Henrique, rebatendo as declarações de Lula.

Para Fernando Henrique, um governo republicano não pode estar envolvido em escuta de telefone de ministro e compra de dossiês.

- Há quanto tempo eu venho alertando fortemente que a questão principal do Brasil hoje é reganhar a compostura e a moralidade pública? - disse.

Em carta enviada ontem aos tucanos reunidos no Rio para o lançamento do programa de governo de Geraldo Alckmin, o ex-presidente justifica a ausência - está participando, em Nova York, da reunião anual da Iniciativa Global Clinton. No texto, o ex-presidente afirma que "mais do que nunca" é preciso lutar pelo programa de governo do PSDB e pelos candidatos do partido. Ele diz ainda que a "resposta a esse quadro de insensatez só pode ser uma: fidelidade a nossos valores democráticos e reafirmação dos nossos compromissos com a social-democracia e com o povo brasileiro".

COLABOROU Maiá Menezes

'Um retrocesso político está ocorrendo no Brasil'

A nota do ex-presidente Fernando Henrique:

"Companheiros e companheiras, no momento em que o PSDB, unido ao redor da candidatura de Geraldo Alckmin, se reúne para lançar o programa de governo, desejo expressar meu apoio integral à nossa campanha. E à minha convicção de que agora, mais do que nunca, precisamos lutar pelo nosso programa e por nossos candidatos.

"Manifestei em várias oportunidades a minha indignação com o retrocesso político que está ocorrendo no Brasil.

"O partido, o governo e muitos dos seus líderes não souberam estar à altura dos compromissos com a decência e com as regras democráticas que sempre proclamaram. Nossa resposta a esse quadro de insensatez só pode ser uma: fidelidade a nossos valores democráticos e reafirmação dos nossos compromissos com a social-democracia e com o povo brasileiro.

"O PSDB e seus aliados saberão estar à altura do momento, unidos em todo o país pela vitória de Alckmin".