Título: RODADA DA OMC PODE AFETAR BNDES, DIZ ESTUDO
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 21/09/2006, Economia, p. 31

Para economistas do banco, países ricos querem coibir bancos de desenvolvimento na negociação sobre subsídios

A Rodada de Doha, de negociações para a abertura comercial no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), pode afetar diretamente não só as exportações agrícolas brasileiras - a agricultura é o tema mais polêmico nas conversas - como também o financiamento à indústria nacional. Em estudo que será divulgado hoje, o BNDES alerta que as propostas americana e européia para alterar as regras de subsídios na OMC podem, se aprovadas, tornar inviáveis algumas operações do banco.

No estudo "Doha: países ricos querem coibir bancos de desenvolvimento", os economistas do BNDES explicam que a proposta dos EUA prevê que todos os financiamentos concedidos por instituições públicas com juros inferiores aos praticados pelo mercado sejam considerados subsídios. Já a União Européia (UE) quer que seja adotado o conceito de custo do governo, para caracterizar como subsídio, em certas circunstâncias, o financiamento com origem no setor público. Em ambos os casos, ficaria mais difícil para o BNDES atuar.

- As decisões nesses temas podem ter forte impacto no BNDES, que é o único emprestador de longo prazo, em moeda nacional, no Brasil - resume Francisco Marcelo Rocha Ferreira, economista do banco.

BNDES responde por 20% do estoque de crédito no país

Hoje, o BNDES responde por cerca de 20% do estoque de financiamentos no país. Ferreira explica que, nos países ricos, há um mercado de crédito maduro e as empresas conseguem empréstimo a juros competitivos. Mas, no Brasil, assim como na maioria dos países em desenvolvimento, o crédito privado é escasso, caro e de curto prazo.

No estudo, escrito por Ferreira junto com Cassiana Hayashi Fernandez e Leandro de Matos Coutinho para o boletim "Visão do desenvolvimento", foi levantado o peso dos subsídios nos países ricos e em desenvolvimento. Nas nações desenvolvidas, eles respondem por 8,2% dos gastos públicos e representam 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto das riquezas geradas no país). A agricultura fica com a maior parcela do apoio nos EUA e na UE. No Japão, o setor agrícola consome 78% dos subsídios.

'Condições de financiamento no Brasil estão mudando'

Mas a agricultura, na OMC, é tratada como um tema à parte. A revisão do acordo dos subsídios, que pode afetar o BNDES, não inclui a questão agrícola. E, apesar de as negociações de Doha estarem suspensas desde julho, os economistas do BNDES chamam a atenção que, para além da agricultura, a questão dos subsídios pode fazer toda a diferença para o Brasil se as conversas forem retomadas.

- Temos que ficar atentos, porque as condições de financiamento no Brasil estão mudando, o crédito está se expandindo e os juros estão caindo - afirma Ferreira.

O volume de crédito no Brasil é hoje de 32,7% do PIB - contra 191,3% nos EUA e 119,6% na União Européia. A proposta do Brasil, na questão dos subsídios, prevê que, no caso de países que não dispõem de mercados de crédito privados, seria preciso estimar uma taxa comercial comparável, dentro das melhores práticas internacionais. Assim, seria possível constatar, ou não, a evidência de subsídio.