Título: A REVOLTA DE BUDAPESTE
Autor:
Fonte: O Globo, 21/09/2006, O Mundo, p. 35
Após três dias de distúrbios, protestos contra premier deixam 220 feridos e 137 presos
Milhares de húngaros fizeram ontem, pelo terceiro dia consecutivo, protestos contra o primeiro-ministro, Ferenc Gyurcsány, nas maiores manifestações desde a Revolução Húngara de 1956 contra o domínio soviético. Cerca de 15 mil pessoas protestaram em frente do Parlamento, em Budapeste, exigindo a demissão do premier. Um grupo de cem pessoas atacou uma estação de trem, sendo contido por policiais. Nas duas noites anteriores, manifestantes radicais já tinham queimado carros - a maioria da polícia -, invadido prédios estatais e enfrentado a tropa de choque. Até ontem havia 137 pessoas presas e mais de 220 feridas, seis delas em estado grave.
A revolta popular começou depois que uma rádio estatal colocou no ar um discurso de 26 de maio em que Gyurcsány fala para integrantes de seu Partido Socialista que mentira nos "18 a 24 meses" anteriores "de manhã, de tarde e de noite" em relação à economia do país para vencer as eleições de abril, acrescentando que seu governo não fizera nada. Ontem, o primeiro-ministro não apenas manteve a decisão de não renunciar como disse que sua paciência com os manifestantes violentos tinha acabado.
- Esta é a noite mais longa e sombria de toda a Terceira República - disse ele, referindo-se ao período que começou com a queda do comunismo, em 89. - A desordem não vencerá. Pedi à polícia para que restabeleça a ordem por todos os meios.
Extremistas entre os manifestantes
Analistas afirmam que parte da revolta popular pode ser creditada às expectativas de aumentos de impostos para combater o déficit público, que chegou a 10,1% do PIB, o mais alto da União Européia. Muitas pessoas já começam a sentir os cortes nos investimentos em educação e saúde. Metade do orçamento do governo é destinada a pagar a seguridade social.
Ontem houve uma ameaça de bomba na sede da TV HIR, no momento em que estava anunciada a entrevista do presidente do partido opositor Fidesz, de direita, Victor Orban. O líder do Fidesz no Parlamento, Janos Ader, exigiu a renúncia do premier ontem.
- O primeiro-ministro e seu governo devem ir embora, sejam quais forem os resultados das eleições municipais - disse Ader, referindo-se ao pleito marcado para 1º de outubro.
Uma pesquisa divulgada ontem pelo Gallup mostra que 43% dos húngaros querem a renúncia de Gyurcsány, que, porém, mantém o apoio dos partidos Socialista e Liberal.
Segundo testemunhas, as manifestações violentas das madrugadas de segunda e terça-feira começaram depois que a maioria das pessoas tinha ido embora. Entre os radicais havia integrantes de torcidas de futebol de extrema-direita. Algumas pessoas também pediam a volta da Grande Hungria, antigo pleito de extremistas para reaver o território perdido depois da Primeiro Guerra Mundial (1914-1918).
- Há pessoas de diferentes convicções aqui. A maioria dos manifestantes não concorda com idéias como a do nacionalismo extremista, mas há concordância num ponto: Ferenc Gyurcsány tem que ir embora - disse Peter Foldvary, estudante de 26 anos.
Katarina, uma mulher de meia-idade que pediu para não ter o sobrenome revelado, por temer ataques de extremistas de direita, disse que votou em Gyurcsány, mas está decepcionada:
- Ele falou que a economia húngara estava voando. Sinto-me humilhada, sinto muito raiva, não penso em votar novamente.