Título: Dólares do 'dossiêgate' sob suspeita
Autor: Jaílton de Carvalho
Fonte: O Globo, 22/09/2006, O País, p. 3

Parte do dinheiro apreendido com petistas teria entrado ilegalmente no país, segundo a PF

A Polícia Federal suspeita que parte dos US$248.800 apreendidos em poder dos petistas Valdebran Padilha e Gedimar Passos entrou ilegalmente no país. Segundo o "Jornal Nacional" de ontem, os números das notas de alguns dos maços de US$10 mil não foram registrados no Banco Central. A polícia teria chegado a essa conclusão a partir de um cruzamento de informações fornecidas pelo Fed (Federal Reserve), o Banco Central dos Estados Unidos, com dados do Banco Central brasileiro. A polícia trabalha com a hipótese de que o dinheiro, emitido pela Casa da Moeda americana, tenha passado por um país vizinho antes de chegar ao Brasil.

Pelas informações do "Jornal Nacional", os dólares apreendidos foram emitidos em abril, nos Estados Unidos, e remetidos a um banco de Miami. De lá, o dinheiro teria sido levado para um outro país e, em seguida, trazido para o Brasil sem passar pelo crivo do Banco Central. Os dois maços de US$10 mil, em notas de US$100, estavam com a etiqueta do Fed. Com base nessas características, a polícia concluiu que as notas nunca foram usadas. O Departamento de Recuperação de Ativos Financeiros (DRCI) informou que também poderá ajudar no rastreamento dos recursos, caso se confirmem os indícios de que parte do dinheiro tem origem no exterior.

Polícia pede a bancos identificação de correntistas

Na frente de investigação interna, a PF também pediu que os gerentes de quatro agências dos bancos Bradesco e BankBoston, duas em São Paulo e duas no Rio, identifiquem os titulares das contas que fizeram saques expressivos nas vésperas da prisão de Valdebran Padilha e do advogado Gedimar Passos, na sexta-feira da semana passada. Com os dois, a PF apreendeu R$1,1 milhão e US$248,8 mil. Os pedidos de quebra de sigilo de saques em dinheiro nessas agências foram apresentados à Justiça Federal de Cuiabá, responsável pelo inquérito sobre a frustrada compra do dossiê contra o candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra.

O trabalho foi facilitado porque em alguns maços de reais foram encontradas etiquetas com os números das agências e os nomes dos caixas que fizeram os pagamentos. Para a polícia, esses caixas sabem quem fez os saques e, numa segunda etapa, poderiam colaborar na identificação dos titulares das contas. Mas as investigações não vão parar por aí. Para a polícia, é importante também saber quem abasteceu as contas de onde foram sacados os recursos para a compra do dossiê.

- Só assim se chega à origem. Vai demorar um tempinho, mas vamos chegar lá - disse um delegado que acompanha de perto as investigações.

O delegado Diógenes Curado, encarregado das investigações, deverá interrogar hoje, em Brasília, os petistas Jorge Lorenzetti, Expedito Afonso Veloso e Osvaldo Bargas, acusados de envolvimento na operação de compra do dossiê. A expectativa do delegado é que pelo menos um deles diga de uma vez por todas de onde saiu o dinheiro.

- Acho que, se quiserem, eles podem colaborar - disse o delegado.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) também entrou no rastreamento do dinheiro que serviria para um grupo de petistas comprar o dossiê produzido pelo empresário Luiz Antônio Trevisan Vedoin, o chefe da máfia dos sanguessugas.Técnicos do Coaf fizeram consultas no sistema financeiro sobre suposta movimentação financeira suspeita dos petistas que tiveram os nomes divulgados pelos jornais como envolvidos no escândalo. Mas nada encontraram até o momento. A suspeita é que os recursos tenham sido sacados por representantes de empresas ou pessoas ainda não citadas nas investigações.

Parte do dinheiro teria sido recolhida entre militantes

Os técnicos alegam que, para aprofundar a apuração, precisam de parte das informações recolhidas pela PF. Dirigentes do PT de São Paulo disseram ao GLOBO que parte do dinheiro teria sido recolhida entre militantes do partido que trabalham para candidatos a deputado. Nessa lista estariam pelo menos dois deputados envolvidos no escândalo do mensalão. A operação de compra do dossiê já provocou a demissão do agora ex-coordenador da campanha a reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva Ricardo Berzoini e de mais quatro petistas ligados ao presidente.

O escândalo veio a público na sexta-feira da semana passada, quando Valdebran Padilha e Gedimar Passos foram presos no Hotel Ibis, perto do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. A PF também prendeu Luiz Antônio Vedoin e Paulo Roberto Dalcol, tio de Vedoin. Dalcol é acusado de intermediar a venda do dossiê do sobrinho para dirigentes do PT. O dossiê é composto por seis fotos, uma fita de vídeo e um DVD com imagens de José Serra numa solenidade oficial de entrega de ambulâncias.

As imagens foram feitas em 2001, quando Serra era ministro da Saúde. Ele aparece na solenidade ao lado de deputados acusados de integrar a máfia dos sanguessugas. Na época, os deputados eram do PSDB. Hoje estão filiados ao PP.