Título: Lula chama autores do dossiê de meninos
Autor: Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 22/09/2006, O País, p. 8

'Quando afasto um companheiro como Berzoini, não acho que ele tem culpa', diz Lula na primeira entrevista sobre o caso

BRASÍLIA. Em sua primeira grande entrevista desde o recrudescimento da crise provocada pelo dossiê contra tucanos, ontem, no "Bom Dia Brasil", da TV GLOBO, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu que não prejulga nem execra ninguém antes da conclusão das investigações. Afirmou que afastou o presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, da coordenação da campanha da reeleição não por considerá-lo culpado. Repetindo que o episódio é abominável, inaceitável e imoral, disse que mexer com bandido não dá certo.

Lula chamou de insanos os que, segundo ele, agiram pensando que poderiam beneficiar sua candidatura com a compra do dossiê. Mas, em seguida, chamou-os de meninos, ao responder a uma pergunta sobre os petistas citados em escândalos em seu governo, desde Waldomiro Diniz, lembrando declaração, no auge do escândalo do mensalão, em que chamou o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, de "nosso Delúbio". Lula repetiu várias vezes que é preciso deixar para a Polícia Federal as investigações e que caberá à Justiça dar o veredito final.

- O papel do presidente da República é afastar as pessoas. Não posso julgar e não posso prender. A pessoa cometeu um erro, qualquer que seja ele, pequeno ou grande, eu afasto (...) Se aconteceu com esses meninos hoje, pode acontecer com qualquer outra pessoa amanhã que esteja acusada. Alguns, obviamente, que serão inocentados. Não é pelo fato de sair a cara do cidadão no jornal que ele já está culpado - disse Lula.

Mas também seriam insanos, segundo ele, os que prepararam o dossiê:

- Essas coisas só podem acontecer porque as pessoas são, eu diria, insanas quando têm esse comportamento político. Estou numa situação altamente confortável na campanha política. Faltam dez dias para acabar a campanha política. Não sei por que alguém haveria de querer um dossiê contra o candidato a governo de São Paulo. Ou seja: não era nem contra o Alckmin. Então, qual seria o interesse da minha campanha nesse negócio? A não ser que alguma pessoa achou que estava descobrindo a mina de Salomão.

Lula pediu à PF investigação

À oposição, Lula deu um recado: avisou que pediu que a Polícia Federal investigue as entranhas do caso, tanto a tentativa de compra do dossiê pelo PT e a origem do R$1,7 milhão que seriam usados para isso, como também o conteúdo do documento que tentava envolver o candidato José Serra na máfia dos sanguessugas. Nos 20 minutos de entrevista, Lula manteve-se tranqüilo a maior parte do tempo, mas demonstrou momentos de nervosismo e contrariedade com as perguntas.

- Não esperem de mim que eu execre alguém antes de ele ser julgado da forma como todo ser humano tem que ser julgado neste país. S alguém queria fazer um dossiê para ajudar o PT, na verdade essa prática não ajuda. Ou seja, mexer com bandido não dá certo em lugar nenhum do mundo. Se companheiros tiveram a ilusão de que estavam encontrando algo tão poderoso que poderia mudar o planeta Terra, essas pessoas pagarão - disse Lula.

O presidente disse que quer saber quem deu o dinheiro:

- Se teve dinheiro, o que tem nesse dossiê (...) O que é que ele tem, por que ele valia tanto, por que tantas pessoas se envolveram numa coisa que, para mim, não tem nenhum sentido. Faço questão que a Polícia Federal vá fundo, investigue as entranhas.

Lula foi econômico ao comentar a saída de Berzoini e de sua substituição por Marco Aurélio Garcia:

- Quando afasto um companheiro como Ricardo Berzoini, não é que acho que o Berzoini tem culpa ou que ele está envolvido. É porque eu não posso, faltando dez dias para a eleição, ter como coordenador da campanha uma pessoa que vai passar dez dias respondendo sobre dossiê.

Lula defendeu o candidato do PT ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante:

- Duvido, coloco a mão no fogo se o companheiro Mercadante concordaria com uma atitude dessa. Agora, meu caro, o cidadão está lá trabalhando e alguém fala: "Olha, tenho uma notícia que pode abalar o mundo". Quebrou a cara. (...) Você tem que desconfiar do bandido. O que está por detrás desse bandido que te procura para oferecer alguma coisa?

Lula disse que nunca compactuou com armação de dossiês contra adversários, nem contra Fernando Collor (1989) nem contra Fernando Henrique (1998), lembrando que em 1998 denunciou a existência do dossiê Cayman, que envolvia o governador Mário Covas, então candidato à reeleição, e outros tucanos em supostos depósitos financeiros em paraíso fiscal.

- Quando alguém vem te oferecer uma maldade e pede por essa maldade dinheiro, essa pessoa já não merece confiança. Esse é o princípio básico de quem tem que agir com honestidade, sobretudo alguém que participa de uma campanha como a minha. A gente não joga o lixo para debaixo do tapete (...) Meu comportamento na política é impecável, não por uma eleição, por todas que eu participei, em situações, inclusive, muito desfavoráveis em que tive um comportamento ético.

Irônico, o presidente argumentou que está numa situação confortável na corrida eleitoral e que o tucano Geraldo Alckmin não está fazendo com que ele corra nenhum risco:

- Estou numa situação altamente confortável na campanha política. Faltam dez dias para acabar a campanha política. - disse Lula.

E negou que tenha acusado a oposição de querer melar as eleições:

- Apenas afirmei o seguinte: a quem interessa melar o processo eleitoral? A mim não interessava.

Lula ficou irritado em vários momentos. Um deles foi quando perguntado sobre por que a PF não mostrava a foto do dinheiro apreendido com os integrantes do PT.

- Quando você encontrar com o delegado, você pergunta para ele. Como é que eu vou saber porque o delegado procedeu assim? - indagou Lula.

O presidente Lula também se mostrou contrariado quando perguntado sobre o baixo crescimento da economia.

- Pode crescer um pouco mais ou pode crescer um pouco menos, mas está crescendo.

E rebateu, encerrando assim a entrevista:

- Pensei que ia discutir programa de governo e terminei não discutindo (isso).

www.oglobo.com.br/pais/eleicoes2006

Não dá para comparar

Presidente erra ao ligar caso com a farsa do Dossiê Cayman

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva insiste em comparar o episódio da venda de um dossiê contra os candidatos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin ao papelório falso que ficou conhecido como Dossiê Cayman. A comparação não se sustenta.

O que se vê agora é gente do governo, da intimidade do presidente e de seu partido, o PT, tramando contra a oposição. Pessoas ligadas diretamente ao gabinete do presidente, como o ex-assessor Freud Godoy; a sua campanha pela reeleição, caso do presidente do PT, Ricardo Berzoini, e de Osvaldo Bargas e Jorge Lorenzetti; e ao comitê do candidato petista ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, admitiram ter negociado o dossiê montado pelos Vedoin - conjunto de documentos, fotos e um DVD - que supostamente envolveria tucanos, especialmente Serra, em irregularidades na área da Saúde, ligando-os à máfia das ambulâncias. O dossiê, porém, é todo de imagens oficiais e públicas.

Em 1998, em plena campanha pela reeleição de Fernando Henrique Cardoso, setores da oposição - excluindo o PT - forjaram papéis para tentar comprometer o presidente, além de Serra, o então governador paulista Mario Covas e o já falecido ministro Sérgio Motta, com uma farsa de envio ilegal de recursos para o exterior. Os falsos documentos, que indicavam uma improvável conta conjunta dos tucanos nas ilhas Cayman, soube-se depois, foram obra do ex-presidente Fernando Collor, de seu irmão Leopoldo, do pastor evangélico Caio Fábio e de empresários de Miami. Todos foram indiciados pela Polícia Federal em 2003.

A armação contra Fernando Henrique contou ainda com o ex-senador Gilberto Miranda - que apostou na crise e lucrou na Bolsa de Valores e com a variação do dólar, à época mais sensível às especulações políticas.

No caso de 1998, não houve participação de pessoas da cozinha do presidente da República no episódio, como ocorre agora. Tampouco naquele episódio houve o uso da máquina partidária tucana, no poder, para prejudicar o adversário - Lula - com denúncias.

Há, porém, uma coincidência: nos dois casos, os protagonistas se revelaram pessoas desqualificadas.

Afagos aos companheiros

O presidente costuma ser generoso ao defender colaboradores e aliados. A seguir, o que disse sobre:

HUMBERTO COSTA: "Já vi este menino ser acusado (...). O povo é mais inteligente que a classe política. Por isso, Humberto, não se deixe perturbar com as acusações". Sobre o ex-ministro da Saúde indiciado por envolvimento na máfia dos vampiros (5/9/2006)

NEY SUASSUNA: "Quero aqui fazer justiça, porque não sou de condenar ninguém. (...) O senador é leal, teve comportamento decente. Se ele cometeu alguns erros, tem direito de ser julgado e de se defender, e ser condenado por quem de direito. O que nós não podemos é aceitar o julgamento dos nossos adversários".Sobre o senador acusado de envolvimento com o escândalo das sanguessugas e ameaçado de cassação (17/9/2006)

ANTONIO PALOCCI: "Eu posso te dizer, Palocci, que se é verdade que nem todo irmão é um grande companheiro, é verdade que um bom companheiro é um grande irmão. Posso te dizer, Palocci, independentemente deste momento que estamos vivendo agora: a nossa relação é de companheiro, possivelmente mais do que a relação de irmão. Muito obrigado, querido."Na saída do ministro da Fazenda por envolvimento na quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo (28/3/2006)

JOSÉ DIRCEU: "Querido Zé, recebi seu pedido de afastamento. Decidi aceitá-lo, louvando seu despreendimento pessoal. Só pessoas de sua grandeza são capazes desses gestos. (...) Como parlamentar brilhante que é, um dos líderes políticos mais importantes e respeitados da República, você poderá, na Casa do Povo Brasileiro, desfazer as infundadas acusações lançadas por aqueles que querem desconstruir nossa história e nosso projeto de mudança social. Esta é a ocasião para expressar meu apreço por sua lealdade, dedicação, competência e honestidade no trato da coisa pública. É também a ocasião para reiterar minha amizade e gratidão por tudo o que fez pelo povo brasileiro em nosso governo. Como você mesmo diz em sua carta, a luta continua".Carta a Dirceu, que se afastou após denúncias de envolvimento com o mensalão (16/6/2005)

O papel do presidente da República é afastar as pessoas. Não posso julgar e não posso prender. A pessoa cometeu um erro, qualquer que seja ele, pequeno ou grande, eu afasto

Faltam dez dias para acabar a campanha política. Não sei por que alguém haveria de querer um dossiê contra o candidato a governo de São Paulo. Ou seja: não era nem contra o Alckmin

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA