Título: 'LULA DEIXA A DESEJAR COMO CHEFE DE ESTADO. TEM QUE FALAR COM SINCERIDADE'
Autor: Bernardo de la Peña
Fonte: O Globo, 22/09/2006, O País, p. 15

Bolivar Lamounier critica comportamento do presidente diante da crise

O cientista político Bolivar Lamounier, um dos participantes do Fórum Especial do Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE), coordenado pelo ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso, criticou ontem o comportamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu partido, o PT, no processo eleitoral. Para ele, o país deu um passo importante para a democracia com a eleição de 2002, ao eleger um operário presidente. Mas a atual eleição preocupa pelo ambiente acirrado.

- Lula não age como chefe de Estado. Deixa a desejar. Não se pode tergiversar, dizer que foi traído e não dizer quem traiu. Isso não é conversa de chefe de Estado. Tem que falar com sinceridade - disse Bolivar, em entrevista depois de sua participação no evento.

Bolivar lembrou que setores do PT e intelectuais ligados ao partido têm insistido na tese de que as denúncias de corrupção dos últimos meses são uma "conspiração das elites":

- É uma fantasmagoria para tapar o sol com a peneira. Os partidos são parte da elite, e a relação entre as elites precisa ser franca - criticou. - Não compreendo intelectuais do PT dizerem que há uma conspiração das elites. Há compra de dossiês e há alguma elite conspirando contra Lula? Isso é insincero. Se eu estivesse de mau humor, diria que é mentiroso. Não é bom para a democracia.

Pesquisador sugere banho morno a dirigentes partidários

Bolivar considerou que o ambiente pós-eleitoral também já preocupa, especialmente em relação às alianças que o presidente Lula, se reeleito, terá de fazer para governar, e recomendou calma aos dirigentes partidários:

- Todos terão de tomar um banho morno e retornar à razão. Devem ir para um hotel-fazenda no fim do ano para repensar a vida.

No seminário do INAE, o tema proposto, "Projeto de Brasil Ö opções de país e opções de desenvolvimento", retomou as reflexões do livro do escritor austríaco Stefan Zweig, "Brasil, um país do futuro", lançado 65 anos atrás. Participaram, além de Reis Velloso e Bolivar Lamounier, o jornalista Alberto Dines, o consultor e pesquisador associado do IPEA Regis Bonelli, o historiador e professor da USP Boris Fausto, o escritor e consultor de empresas Ricardo Neves e o professor de história da UFRJ João Luís Fragoso. Foram apresentadas visões políticas, históricas e econômicas sobre o país nessas seis décadas.

- Não sei se o Brasil é ou não o país do futuro, mas aprendi que é o país da perplexidade - afirmou Reis Velloso, numa síntese dos temas discutidos na manhã.

OAB critica 'decomposição moral'

Presidente da Ordem cita escândalo do dossiê e ataca governo

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, disse ontem que o episódio da tentativa de compra do dossiê contra tucanos revela "uma promiscuidade chocante e incompatível" no governo e representa a "decomposição moral da República".

- Dinheiro graúdo, sem procedência conhecida, personagens ligados à intimidade palaciana misturados a outros, obscuros e de antecedentes pouco recomendáveis, numa promiscuidade chocante e incompatível com a graduação dos cargos em pauta - afirmou Busato, na abertura do Colégio de Presidentes dos Conselhos Seccionais da OAB, no Rio.

Busato chegou a dizer que não comentaria os últimos episódios para não interferir no processo eleitoral. Mas, em seguida, perguntou:

- Como uma entidade que exerce o papel de tribuna da sociedade civil e historicamente tem mantido distância de governos, ideologias e partidos pode manter-se indiferente à decomposição moral da República?

- Não há maior desserviço à pátria que passar à opinião pública a idéia de que política é intrinsecamente suja e que é impossível conduzi-la sem sujar as mãos. Isso é um embuste, crime de lesa-humanidade! Torná-la sinônimo de corrupção e amoralidade é a maior das violências, superior àquela perpetrada pelas ditaduras. É a volta à barbárie.

O coordenador do Colégio e presidente da OAB do Rio, Octávio Gomes, fez coro:

- A cada dia cresce o tumor que envolve o poder central. O centro do crime está ali instalado. Urge que sejam expulsos os vermes, vírus e outros agentes da indignidade que povoam o governo. Chega de complacência!