Título: RISCO EM DOBRO
Autor: Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 22/09/2006, Economia, p. 31

Desaquecimento nos EUA e crise política derrubam bolsas e dólar sobe

Os desdobramentos da crise política no Brasil e a preocupação com os efeitos do desaquecimento da economia americana foram a senha necessária para que os investidores estrangeiros garantissem o lucro recente no Brasil vendendo ações e títulos da dívida externa. Com isso, derrubaram as cotações e fizeram disparar o risco-país.

Indicador do grau de confiança dos investidores externos, o risco-Brasil subiu 7,01%, para 244 pontos centesimais. Foi o maior patamar desde 17 de julho último (247 pontos).

O dólar encerrou os negócios cotado a R$2,210, em alta de 1,47%. Foi a maior cotação desde o dia 14 de julho (R$2,213). Na máxima do dia, o dólar chegou a valer R$2,218. O volume financeiro, que nos últimos dias, havia ficado em torno de US$2 bilhões, chegou a cerca de US$3,5 bilhões ontem, o que representa um aumento de 75% de um dia para o outro. Segundo operadores, os investidores, que até o mês passado ainda apostavam numa forte queda do dólar, diante das incertezas, começaram a reduzir essas projeções. Muitos investidores compraram dólares para zerar a posição vendida (apostas na queda da cotação).

Ao se desfazerem dos papéis de empresas brasileiras, receberam reais que foram trocados por dólares no mercado de câmbio, o que pressionou a cotação da moeda. Os protestos na Hungria e o golpe militar na Tailândia, na última terça-feira, ajudaram a azedar o humor dos investidores.

BC decidiu não atuar no câmbio

Ontem, o Banco Central (BC) informou que em setembro, até o dia 19, os bancos tinham uma posição comprada de câmbio em US$453 milhões. Isso significa que os investidores têm uma aposta neste valor de que a trajetória da moeda americana deve ser de alta. Em agosto, os bancos tinham a posição vendida (isto é, acreditavam numa queda do dólar) de US$979 milhões.

A forte volatilidade de ontem afastou o Banco Central das operações de câmbio. Após dois meses de atuação diária, a autoridade monetária não fez ontem o tradicional leilão de compra de dólares, o que poderia acentuar o nervosismo do mercado.

Hoje, no entanto, o BC fará uma operação de até US$600 milhões no mercado futuro de câmbio, o chamado swap cambial reverso, que, na prática, funciona como uma compra de dólares e pode gerar pressão sobre as cotações. O leilão será usado para renovar parte de uma dívida de US$1,6 bilhão que vence no dia 2 de outubro. Os contratos vencem entre fevereiro de 2007 e janeiro de 2009.

O clima de instabilidade atingiu em cheio também a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que chegou a subir mais de 0,30% pela manhã, mas acabou acompanhando as bolsas internacionais e caiu 1,04% ontem, encerrando o pregão aos 34.830 pontos. É o menor nível desde o dia 27 de junho (34.375 pontos). Se cair pouco mais de 5%, a Bolsa voltará à mínima do ano, de 32.847 pontos. No início do mês, estava perto de 38 mil pontos.

A crise política deflagrada pelo envolvimento de petistas na divulgação de um dossiê contra os candidatos do PSDB está sendo interpretada como um problema adicional para um eventual segundo mandato do presidente Lula. Segundo analistas, ele corre o risco de ter dificuldades para governar e fazer reformas, explicou José Alfredo Lamy, sócio da Cenário Investimentos.

Mas além dos ingredientes da crise política, o Brasil também sofreu os abalos que ontem sacudiram os mercados globais. O detonador do mau humor dos investidores foi o indicador de atividade industrial divulgado ontem pela unidade do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) na Filadélfia. Em setembro, o índice caiu 0,4, enquanto os analistas esperavam 14,3 no mês. Qualquer leitura abaixo de zero indica retração econômica. O número ficou muito abaixo do registrado em agosto (18,5) e foi o primeiro registro negativo desde abril de 2003. Houve também uma queda nos pedidos às fábricas e aos preços pagos pelas indústrias.

- A cada indicador negativo, o mercado renova as especulações em torno de uma provável estagflação, que é caracterizada por um cenário de baixo crescimento econômico em meio a pressões inflacionárias - explica Sandra Utsumi, economista do BES Investimento.

Com o susto nos EUA, o risco dos países emergentes subiu, na média, 7,57%. A piora foi generalizada: Argentina (6,9% de alta), México (6,95%), Polônia (18,96%) e Venezuela (10%) também sofreram. Todos os 19 países que têm a taxa de risco calculada pelo banco americano JP Morgan registraram forte alta.

O Global 40, título mais negociado da dívida externa brasileira, caiu 0,69%, para 128,75% do valor de face. O movimento foi na contramão do dos títulos do Tesouro americano. As incertezas e a forte volatilidade dos mercados aumentaram a procura dos investidores por estes papéis, considerados os mais seguros do mundo. Como isso, os títulos atingiram o menor valor desde março: 4,64% ao ano (o rendimento é inversamente proporcional ao valor do título; quanto maior a procura, maior o valor e menor o rendimento).

Nos EUA, o índice Dow Jones recuou 0,69% e o Nasdaq, 0,67%. O S&P 500 registrou queda de 0,54%. A exemplo do Brasil, outros países emergentes, como México, também foram afetados: a bolsa local caiu 1,57%. Na Argentina, a queda foi de 0,75%.

Temor de menor crescimento global

Segundo Lamy, o menor ritmo de crescimento da economia americana deixa mais turvo o cenário de expansão global. Se a maior economia do mundo cresce menos, há uma menor demanda por commodities, o que tende a afetar o Brasil, que é exportador das matérias-primas:

- E, com menos crescimento, o investidor arrisca menos e tende a resgatar recursos de mercados emergentes como o Brasil, derrubando a Bolsa e fazendo o dólar subir.

Nuno Camara, economista do banco Dresdner Kleinwort Wasserstein em Nova York, diz que os investidores aproveitaram as incertezas para colocar lucros recentes no bolso, embora haja uma preocupação genuína com os mercados emergentes.

- Os investidores ajudaram a potencializar o estresse ao embolsar lucros. A lógica é: para que segurar as aplicações se poderão comprar os ativos a um custo menos mais à frente? Mas estão todos atentos à crise política no Brasil e ao movimento nos demais emergentes.

Camara diz que as declarações do nacionalista Rafael Correa, candidato à presidência no Equador, de que o governo poderia reestruturar sua dívida externa, aumentaram ontem a cautela dos investidores internacionais em relação às aplicações em ativos de nações em desenvolvimento.

COLABOROU: Patrícia Duarte