Título: EU CONVIDO
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 22/09/2006, Economia, p. 32

O presidente Lula, na entrevista de ontem no "Bom Dia Brasil", disse que gostaria que eu o convidasse, "logo, logo, no mês que vem, para discutir economia, ao vivo, sentado ao seu lado". Está convidado, presidente. Aliás, sempre esteve. No começo de 2003, fui ao Planalto para pedir uma entrevista e ouvi de Ricardo Kotscho: "Tem 200 na sua frente." Ainda aguardo, pacientemente, mas o problema é que a fila não andou.

Quis dizer isso na entrevista, mas não queria tomar tempo do candidato, dos contados 20 minutos com poucos, e não usados, 30 segundos de prorrogação. Pedi também a André Singer, mais recentemente, mas ouvi um não como resposta. Vida que segue. Um presidente pode escolher a quem quer dar entrevista, e é normal que prefira um a outro; o que não é normal - nem democrático - é dar apenas uma única entrevista coletiva em quatro anos e, mesmo assim, com repórteres constrangidos a não fazer réplica. Caso haja um segundo mandato, essa prática deveria ser alterada.

Aqui uma correção: o presidente disse que eu sou uma "economista importante do Brasil". Nem economista, nem importante, apenas "do Brasil". E, sobre o país, sempre será um prazer conversar, a começar pelos temas tratados na entrevista ontem.

A maior parte da entrevista (65%) foi sobre os escândalos: seguidos, com a mesma fórmula, personagens parecidos, o mesmo dinheiro vivo, a mesma perigosa proximidade do presidente da República. Desta vez, é o churrasqueiro, o assistente para assuntos domésticos e familiares, o presidente do partido, um diretor do Banco do Brasil, funcionários da campanha. Não há um personagem que não seja do PT. Mas o presidente continua dando as mesmas insuficientes respostas. Tomara que, daqui a um mês, com tudo esclarecido, a conversa possa ser sobre outros temas.

Perguntei sobre o dilema econômico que tem minado o crescimento. A carga tributária aumentou: eram 34% em 2003, terminou 2005 em 37,4%. Os impostos aumentaram. O governo costuma dizer que não, que houve desoneração e que a arrecadação cresceu por eficiência. Na verdade, houve mudança de tributação fingindo ser só mudança da base de cálculo. Foi assim que aconteceu com a Contribuição Social sobre Lucro Líquido das prestadoras de serviço, com o PIS e a Cofins, quando fingiram estar apenas acabando com a cumulatividade; com o PIS e a Cofins sobre importação. O presidente respondeu sobre o último. Diz que impostos sobre produto importado foram criados a pedido dos empresários, que queriam igualdade já que, quando feita aqui, a mercadoria paga esses impostos.

Nessa pergunta, Lula disse que "desde a proclamação da República, o Brasil não viveu um momento com uma combinação de fatores positivos como estamos vivendo agora". Menos, menos. A República teve momentos de crescimento forte, nos anos 50, 70. Aliás, nos primeiros 80 anos do século passado, o Brasil cresceu mais que a média mundial. Mas há, sim, uma série de fatores positivos no atual momento.

O mundo está crescendo, os preços dos produtos que exportamos estão altos. O país está, de fato, batendo recorde de exportação, como disse Lula, mas ele subestimou muito o número de exportação. "Vão ser US$34 bilhões este ano", disse. De onde será que ele tirou esse número? É muito mais. Só o saldo positivo pode chegar a US$45 bilhões. O total das exportações até setembro já é de US$91 bilhões.

A minha pergunta era: a carga e os impostos aumentam, os gastos crescem a 9% ao ano, e o investimento cai. O investimento público, em 2005, foi de 0,5% do PIB, o menor em 40 anos. Quis saber se era assim que ele estava lançando as bases para o espetáculo do crescimento. Lula disse que "para a gente construir uma casa, a gente tem que fazer alicerce. Se não fizer o alicerce, cai, como caíram todos os planos mágicos". Eu falava exatamente de alicerce. Não se constrói alicerce algum de coisa duradoura se os gastos aumentam, os impostos pesam mais e o investimento cai. E essa equação perversa terá que ser revista em breve seja qual for o presidente do Brasil.

Lula culpou as "intempéries" pelos problemas da agricultura. Houve mesmo secas, principalmente no Sul. Mas há um problema que tem afetado os agricultores: o câmbio. Muitos estão descapitalizados porque compraram insumos e plantaram numa cotação e vendem numa cotação mais baixa. O pacote de ajuda do governo foi grande mesmo, como disse Lula. Para se ter uma idéia, o dado de aumento de gastos dos primeiros sete meses do ano mostra que o item "subsídios e subvenções" aumentou 29%. Lula também tem razão quando aponta vários produtos que não têm problema, como açúcar. Mas, detalhe: só não têm problemas as culturas que estão com preços altos. O açúcar bate recorde. O aumento de preço esconde os problemas cambiais.

Na parte sobre a Bolívia, Lula contou que disse ao presidente boliviano: "Evo, você não pode ficar com a espada na minha cabeça porque você tem gás, porque nós também podemos colocar uma espada na sua cabeça porque nós compramos." De fato, é dependência mútua e a Bolívia tem muito a perder. Mas a pergunta de Renato Machado era sobre ele ter dito que tinha que ser "carinhoso" com a Bolívia, uma categoria que não é adequada na política externa; muito menos diante de um ataque a uma empresa brasileira.