Título: O acerto de contas no PT
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 23/09/2006, O Globo, p. 2
Ainda estão se desenvolvendo os efeitos eleitorais e políticos da tentativa de compra de um dossiê contra os tucanos, mas os tambores já tocam dentro do PT para o acerto de contas com o grupo partidário que parece ter concebido a operação imoral e desastrosa. O mesmo que esteve no centro de todos os escândalos que abalaram o governo Lula. Seus membros têm em comum a origem sindicalista, a conduta voluntarista e transgressora, a filiação ao campo majoritário e ao PT-SP.
Confunde-se essa tribo com aquilo que o sociólogo ex-petista Chico de Oliveira chamou de "o ornitorrinco". Valeu-se da imagem do pássaro que é também mamífero para designar uma casta de trabalhadores que se tornaram, de certo modo, membros da classe dominante. Através dos sindicatos, ganharam acesso a órgãos que controlam e distribuem recursos públicos (FAT, conselhos de estatais, de fundos de pensão etc). Por isso mesmo, fortaleceram-se no aparelho partidário e na chegada ao governo, ocuparam postos importantes na máquina administrativa. Levando para o governo os métodos voluntaristas e a busca dos objetivos por todos os meios, cometeram transgressões que liquidaram com a aura ética do PT.
O mais interessado agora numa depuração radical parece ser o presidente Lula, que, lá atrás, após a crise do mensalão, que derrubou toda a antiga direção, não interferiu na pactuação interna que preservou a influência do antigo Campo Majoritário. Preferiu nem votar no primeiro turno da eleição interna para explicitar seu distanciamento. A presidência de Ricardo Berzoini foi a expressão desse acordo entre as correntes. Para ser candidato, o presidente interino, que assumira após a queda de José Genoino, o hoje ministro Tarso Genro, exigia uma "ruptura". Significaria não apenas o combate à cultura interna que ganhara força sob o reinado de José Dirceu, mas também o afastamento de todos os filiados àquela corrente.
Hoje, o próprio Lula parece reconhecer que ali foi cometido um erro dentro do erro. O mal não foi cortado pela raiz, voltou a brotar e causou agora um dano que, pelo menos eleitoralmente, pode ser maior que o da crise anterior.
Na segunda-feira, ao se reunir com os ministros, na volta de Nova York, para discutir o acontecido, decidir as degolas e planejar a reação, ele comentou:
- Nestes quase quatro anos, a oposição não conseguiu causar qualquer dano ao nosso governo por mérito ou capacidade própria. Todas as crises foram oferecidas, de graça, pela conduta de gente nossa. Isso terá de acabar de vez.
Agora, de todas as frentes do partido, vem o clamor contra "os paulistas", referência genérica ao grupo que não inclui, naturalmente, dirigentes e militantes de outra orientação, como o próprio vice-presidente e agora coordenador da campanha de Lula, Marco Aurélio Garcia. "Abaixo os paulistas, pelo menos no PT", escreveu em artigo o dirigente mineiro Antonio Carlos Ramos. "É sempre o mesmo grupo", diz o gaúcho Valter Pomar, secretário de relações internacionais. Aliás, os paulistas miraram em José Serra exatamente porque previam o próprio declínio com a derrota local. Acertaram em Lula.
E, por fim, diz o ministro Tarso Genro, que lá atrás perdeu a parada ao defender a "ruptura":
- A transgressão de agora foi praticada por um grupo que se autonomizou em relação à campanha e ao partido, reincidindo no voluntarismo que já tinha trazido tantos prejuízos. E fez tudo isso sem o menor respeito ou consideração para com o presidente, não hesitando em colocar a candidatura dele em risco.
Dê no que der a crise, seja qual for o resultado eleitoral, o congresso do PT deve ser antecipado de outubro de 2007 para março ou maio. Se, mais uma vez, o partido não for capaz de fazer amputações dolorosas para se redimir, estará cavando seu ocaso. Os partidos também começam a morrer muito antes da perda do registro.