Título: CENÁRIOS REAIS DE RACIONAMENTO
Autor: ARMANDO GUEDES COELHO
Fonte: O Globo, 23/09/2006, Opinião, p. 7

Nós, que acompanhamos os cenários de energia no país e somos um misto de mensageiros da esperança e da angústia, assistimos hoje a mais um momento de desencontro. Por um lado, o governo afirma não haver possibilidade de racionamento a médio prazo, pois hoje temos planejamento e não há, pelo menos neste instante, previsão de falta de suprimento ou de capacidade geradora. Por outro lado, temos mais de uma dezena de autoridades no assunto a repetir o mesmo temor que, no passado, anunciou um racionamento não acreditado, mas que aconteceu e foi muito real, prejudicando o país todo com redução do crescimento, só há pouco em recuperação.

Nossa matriz energética vem, ano a ano, tornando-se mais complexa. Muito em busca dos benefícios da segurança que, em parte, dá-se pela busca de fontes alternativas à natural hidreletricidade existente num país continental e abençoado como o nosso. Nessa rota, o gás natural se destacou nos últimos anos como o salvador em época de seca. E foi ele que nos salvou no passado. Porém, como todo herói parece ser por aqui tratado, foi relegado a segundo plano, ficando sem lei a vagar entre as necessidades do mercado incentivado e os benefícios oriundos do baixo preço associado à qualidade de ambientalmente correto.

E hoje não é só o gás, ou melhor, a falta dele, que nos causa insônia. Somos bombardeados por notícias que nos remetem a um cenário bem mais negro, sem luz mesmo. E não são notícias só dessas bandas, são notícias que circulam pelo mundo, como o preocupante risco de falta de suprimento, a desconcertante falta de capacidade na produção de equipamentos para geração de energia, dada a elevada demanda por eles, além de cenários que trabalham com a alta dos preços dos energéticos, como no caso do gás natural, que por aqui parece poder rapidamente alcançar valores de 40% a 50% maiores. São notícias que constroem cenários de racionamento pela conjugação de hipóteses cada vez mais próximas, de falta do insumo, de falta de equipamentos para atender aos prazos necessários para geração e da falta de preços acessíveis.

A estes, os mais conhecidos entraves desse setor, soma-se ainda uma nova série de inimigos e, entre eles, o meio ambiente tem sido recorrentemente apontado como o mais poderoso. O que nos parece acontecer nesse caso é o ataque ao doente e não à doença. Não acreditamos ser o meio ambiente o verdadeiro inimigo do desenvolvimento do país, apesar de ter sua parcela de responsabilidade. A falta de coordenação dos instrumentos, a perda de credibilidade das instituições, os desvios de atuação e a escassez de recursos humanos e financeiros são reflexos pesados que atravancam todo o processo de licenciamento, postergando a expansão da capacidade geradora do país. É necessário e urgente um tratamento mais racional e menos emocional, dada a preocupação em construir um país mais seguro energética e ambientalmente.

Essa morosidade em dar solução aos principais obstáculos que se apresentam à expansão do parque gerador também contribui fortemente para o aumento da insegurança do investidor. O setor empresarial se ressente por não poder ter assegurada a sua ida ao mercado supridor ou mesmo a sua mensuração de custos quando se trata do insumo energia. Segundo dados da Agência Reguladora de Energia Elétrica (Aneel), a tarifa industrial do Brasil está entre as mais caras do mundo, posição galgada nos últimos anos, resultado de uma diversidade de taxações e alíquotas que faz com que uma tarifa altamente competitiva na geração, em qualquer lugar do mundo, transforme-se numa das tarifas mais altas, onerando as classes produtivas do país, tornando a sua indústria menos competitiva.

Por fim, de muito nos vale ferramentas como o planejamento, que bem utilizado nos afasta definitivamente do retorno de erros passados. Porém, de nada nos adianta planejamento se os cenários são construídos sob a ilusão de variáveis não-factíveis, como, por exemplo, o atendimento dos prazos desejados. Planejamento tem que ser feito no mundo real, onde o investimento é variável não controlável. Nesse sentido, a intervenção governamental deve promover a criação de ambiente propício ao investimento, este sim, com poder de nos levar a cenários de prosperidade. O problema está colocado. É fundamental e urgente a união de esforços. Ainda há tempo de o governo promover ações que beneficiem todos os consumidores e que, em especial, a classe empresarial deste país não seja mais uma vez sacrificada com erros já conhecidos.

ARMANDO GUEDES COELHO é presidente do Conselho Empresarial de Energia da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

N. da R.: Zuenir Ventura está de férias.