Título: A RENOVAÇÃO NECESSÁRIA
Autor: D. EUGENIO SALES
Fonte: O Globo, 23/09/2006, Opiniao, p. 7

O Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral "Gaudium et Spes", declara: "Na intimidade da consciência o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si mesmo. Mas a ela deve obedecer" (nº 16). O Papa João Paulo II, na Encíclica "Dominum et Vivificantem" (nº 43), reafirma este mesmo ensinamento.

Tais verdades são fundamentais, principalmente quando atravessamos situação difícil na vida nacional. Crescem os problemas e se enfraquece a capacidade de resolvê-los. Na Carta Encíclica "Veritatis Splendor", de 6 de agosto de 1993, o Papa João Paulo II tratou da moral e da renovação da vida social e política. Suas ponderações são muito oportunas para o momento nacional que vivemos. Diz ele: "Perante as graves formas de injustiça social e econômica e de corrupção política, que pesam sobre povos e nações inteiras, cresce a reação indignada de muitíssimas pessoas oprimidas e humilhadas nos seus direitos humanos fundamentais e torna-se sempre mais ampla e sentida a necessidade de uma radical renovação pessoal e social, capaz de assegurar justiça, solidariedade, honestidade, transparência" (nº 98). E adiante: "No âmago da questão cultural está o sentido moral, que, por sua vez, se fundamenta e realiza no sentido religioso" (idem).

Por falta de sólidos pontos de referência, o mundo hodierno vive uma perigosa ausência do transcendente. Certamente, o retorno ao estudo da filosofia possibilitará o encontro de soluções a muitos problemas de hoje. A ética é uma disciplina filosófica que procura dar o sentido verdadeiro à vida humana; indica uma resposta às questões: "Para que vivo?" "Por que vivo?" Seguindo as orientações do Magistério (na "Aeterni Patris", de Leão XIII, na "Humani Generis", de Pio XII, na "Optatam Totius" (nºs 15 e 16), do Vaticano II), é mister reconhecer a singularidade da filosofia aristotélico-tomista dita "Perene", pois bem harmoniza Revelação e razão humana. A ética derivada desta filosofia afirma a existência de uma outra vida. Esta é a resposta plena aos anseios espontâneos e mais profundos do ser humano à Verdade, ao Bem, ao Amor, à Felicidade e à Vida mesma, pois neste mundo tais aspirações não encontram cabal resposta e são constantemente ameaçadas por contradições. Dado que são anseios inatos, não dependentes de alguma forma de cultura, julga-se que não serão frustrados e que a natureza ou o Criador se encarrega de responder às aspirações naturais do ser humano no plano espiritual.

A ética propõe ao homem diretrizes para que chegue ao Ser Supremo, que é Bem absoluto e infinito. O Concílio Vaticano II em "Optatam Totius" (nº 15) ensina: "As disciplinas filosóficas devem ser ensinadas de tal modo que os estudantes se sintam conduzidos a adquirir, sobretudo, um conhecimento sólido e coerente do homem, do mundo e de Deus, apoiados no patrimônio filosófico perenemente válido. Tenham-se em conta também as investigações filosóficas dos tempos modernos, em especial as de maior influência na respectiva nação, bem como o mais recente progresso das ciências, para que os alunos conheçam de maneira exata a índole da época presente e se preparem convenientemente para o diálogo com os homens."

O Seminário São José, da Arquidiocese do Rio de Janeiro, promove nesses dias mais uma Semana de Filosofia, enfatizando a ética. Ela tende a fazer a pessoa humana segundo o plano do Criador e não apenas um profissional deste ou daquele ramo de atividade.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado à liberdade. Sem pontos de referência se resvala para o relativismo. E, então, emerge nas atividades o subjetivismo, a escolha do que agrada, e se rejeita o que não coaduna com o egoísmo. Quando se reflete sobre a importância de princípios fundamentais, percebe-se o valor de normas básicas para a solução dos problemas de nosso país.

A autoridade ética não deriva dos poderes do Estado para legislar e fazer cumprir a lei. Ela precede o Estado, é fonte de legitimidade do Estado e o supremo juiz nessa matéria. O Estado só é justificável como instrumento da ética.

No seu discurso de 25 de março de 2000, no final da missa celebrada pelo cardeal Paul Poupard por ocasião do jubileu dos cientistas, o Papa João Paulo II afirmou: "Se no passado a separação entre fé e razão foi um drama para o homem, que conheceu o risco de perder a sua unidade interior sob a ameaça de um saber cada vez mais fragmentado, a vossa missão consiste, hoje, em prosseguir a investigação de que, 'para o homem inteligente, (...) todas as coisas se harmonizam e concordam'."

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio.

O retorno ao estudo da filosofia permitirá encontrar soluções a muitos problemas de hoje