Título: Lula trata amigos petistas com distanciamento
Autor: Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 23/09/2006, O País, p. 14

'Gostaria de uma campanha em que só tivesse anjo puro, todos virgens no meu palanque. Mas a política não é assim'

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva procurou ontem descolar-se totalmente do escândalo da compra do dossiê contra os tucanos. Tratou petistas, incluindo Jorge Lorenzetti, seu churrasqueiro, como meros conhecidos e disse que o grupo de inteligência do partido "não era tão inteligente" como se pensava. Ele também distanciou-se de outro envolvido no escândalo, Osvaldo Bargas, com quem atuou junto no sindicalismo e cuja mulher é secretária particular do presidente.

Para ele, os envolvidos no escândalo foram tomados por "momentos de loucura".

- Osvaldo Bargas trabalhava no Ministério do Trabalho. O Jorge Lorenzetti não tinha nenhuma participação no governo. Eles foram contratados pelo partido para fazer o serviço de inteligência. Ou seja, provou que o serviço não era tão inteligente como se pensou que era - disse ao apresentador Heródoto Barbeiro, em sua entrevista de 30 minutos à Rádio CBN.

Lula diz que Jader tem legitimidade

Ao comentar sua aproximação com aliados polêmicos, como o deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA), que renunciou ao seu mandato de senador para não ser cassado, Lula disse que políticos que foram cassados e conquistaram outro mandato têm legitimidade:

- Essas pessoas têm um mandato tão legítimo como aquelas pessoas que não foram cassadas. A não ser que a gente se ache no direito de ficar questionando o povo.

Mas ao se referir aos envolvidos no escândalo do dossiê, o presidente intensificou os adjetivos contra os responsáveis pela operação: disse que o caso beira à "imbecilidade" e à "insanidade". O presidente também fez pouco caso de aliados polêmicos. Sem citar nomes, disse que gostaria de ter um palanque de "anjos e virgens, mas que a política não é assim".

Lula também rechaçou as comparações do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio de Mello, entre o caso do dossiê e o Watergate, dizendo que ele fez comentários num "momento indevido". Ao longo da entrevista, Lula se irritou com perguntas sobre sua ausência em debates e criticou o ex-presidente Fernando Henrique e o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, sem citar seus nomes.

- As pessoas precisam aprender a respeitar a vontade do povo brasileiro. (...) E é isso que conta na política. Você faz os acordos partidários, vai para a disputa eleitoral. Gostaria, sabe, de fazer uma campanha em que só tivesse anjo, sabe, puro, todos virgens no meu palanque. Mas a política não é assim. A política é como ela é. Os seres humanos são como eles são. Nascem com defeitos e virtudes. Aprendem durante a vida a ter virtudes e defeitos, e é com eles que você convive.

Lula foi mais crítico ao comentar a participação no caso de Expedito Afonso Veloso, ex-diretor de Gestão e Risco do Banco do Brasil:

- Eu o conheci pela imprensa. É inexplicável que um homem que tenha 20 e poucos anos de carreira no BB tenha jogado isso fora por um movimento que raia a imbecilidade.

"Não tem nada a ver" com Watergate

Ao criticar o presidente do TSE, Lula disse que o caso do dossiê "não tem nada a ver" com o Watergate, que resultou na renúncia do presidente americano Richard Nixon.

- O presidente do TSE falou isso num momento indevido, e uma comparação que não tem absolutamente nada. Na outra, você tinha um governo que tinha mandado espionar a sede de um partido político para saber o que o partido pensava. Nesta, um grupo de pessoas que não fazem parte da direção do partido, que estavam trabalhando temporariamente no departamento da campanha, resolveu comprar um dossiê. São duas coisas distintas e, obviamente, condenáveis - disse Lula.

Ao explicar suas alianças políticas, Lula disse que não se sente constrangido de estar ao lado de ex-adversários:

- É engraçado. Na política, de vez em quando, ouço vocês falarem: fulano fez aliança com fulano porque é esperto. Quando é o PT que faz (as alianças), as pessoas ficam tentando puxar para o lado moral. Se o PMDB tem o Jader Barbalho, o PFL tem o Bornhausen, o PSDB tem o Tasso Jereissati. Se um dia fizesse acordo com o PFL, viriam (críticas para) as pessoas do PFL. Até porque quem vai julgar as pessoas não sou eu, é o povo brasileiro.

www.oglobo.com.br/pais/eleicoes2006

Aliados e amigos do presidente

Rebaixados a "conhecidos" ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Jorge Lorenzetti e Osvaldo Bargas passaram os últimos anos muito perto do petista. Enfermeiro, descrito por ex-companheiros como um articulador discreto e extremamente hábil, Lorenzetti foi diretor de Formação da CUT e, no início dos anos 90, era responsável por captar recursos para a central no exterior. Fundador do PT, o catarinense ficou famoso na crise por ser um dos churrasqueiros preferidos de Lula. Ele também fundou a ONG Unitrabalho, que recebeu milhões do governo federal nos últimos anos. Quando morou em São Paulo, dividiu apartamento com o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, acusado de operar o mensalão. Outro sindicalista, Osvaldo Bargas é conhecido no PT como integrante do grupo mais próximo de Lula. Também é muito ligado a Delúbio. Foi diretor do Sindicato dos Metalúrgicos na gestão de Lula e, no atual governo, ocupou a chefia de gabinete do ministro do Trabalho, Luiz Marinho. Deixou o cargo em agosto para cuidar do capítulo sobre trabalho no programa de governo de Lula.