Título: Propaganda de Lula usa montagem na TV
Autor: Lydia Medeiros/Helena Celestino/Adriana Vasconcelo
Fonte: O Globo, 23/09/2006, O País, p. 16

Programa mostra como se fossem para o petista os aplausos dirigidos ao secretário-geral da ONU, Kofi Annan

NOVA YORK, BRASÍLIA e RIO. Foi um momento excepcional, mas para o secretário-geral da ONU. Chefes de Estado e de governo, ministros de Relações Exteriores e diplomatas de 192 países que lotavam o enorme plenário da Assembléia-Geral da ONU, no último dia 19, levantaram-se para aplaudir o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, que, depois de dez anos no cargo, iniciava ali a sua cerimônia de adeus.

Cena semelhante é rara, mas o programa eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uso de montagem ao retratar a participação dele no evento. Veiculado na noite da última quinta-feira, o programa mostrou Lula discursando na ONU e sendo efusivamente aplaudido de pé. Não foi o que aconteceu.

O presidente, como todos os outros que discursaram, tiveram direito ao chamado "aplauso diplomático" - com a audiência sentada, inclusive o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores). Lula tratou dos temas habituais em suas aparições internacionais: enalteceu o programa Bolsa Família, criticou a guerra do Iraque, reivindicou um papel mais importante para o Brasil na diplomacia mundial. Foi aplaudido discretamente porque as as atenções já estavam voltadas para o presidente americano, George W. Bush.

O presidente brasileiro tem o privilégio de ser o primeiro a discursar, logo depois de o secretário-geral abrir a sessão e imediatamente antes do presidente americano. O programa de Lula não só inverteu a ordem de entrada em cena dos palestrantes como se apropriou dos aplausos dirigidos a Annan. A montagem foi denunciada ontem pelo GLOBO.

Lei eleitoral proíbe trucagens

O discurso brasileiro é sempre um momento de atenção, mas este ano o público foi distraído pela entrada da secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, que, atrasada, chegou já no meio do discurso de Lula. Muitos não se preocuparam em botar os fones para ouvir a tradução da fala do brasileiro que, claro, discursou em português. Pela tradição da ONU, ninguém é aplaudido de pé ou vaiado, regra relembrada antes do início dos discursos.

- Em matéria de mentira, seguramente essa é a mais ridícula. Ele já fez montagens para mostrar ferrovias, refinarias e mesmo a transposição do Rio São Francisco que não saíram do papel. Lula quer ser um estadista de todo jeito - condenou o coordenador da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB), senador Sérgio Guerra.

- É muito grave porque se dá num momento em que fraudes passam ser regra, não exceção - criticou o prefeito do Rio , Cesar Maia (PFL).

A legislação proíbe o uso de trucagem, montagem ou recursos que ridicularize outro candidato ou pessoa. O advogado da campanha tucana, José Eduardo Alckmin, disse que a área jurídica estuda o que pode ser feito já que houve montagem, mas não ridicularização de outro candidato, como veda a lei. Segundo Alckmin, a lei 9.100/95 ( que disciplinou as eleições de 1996 e foi substituída pela lei atual, Lei 9.504/97) proíbe o falseamento da verdade ou da realidade nas propagandas eleitorais.

O coordenador de campanha de Lula, Marco Aurélio Garcia, disse que ele estava presente à ONU e que muitas pessoas se levantaram para aplaudir Lula.

- Isso me parece secundário. Se alguém quiser posso discutir o impacto do discurso. Vários chefes de estado nos pediram cópia - disse.