Título: UM SEGUNDO PLANO REAL
Autor: Cássia Almeida e Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 23/09/2006, Economia, p. 31

Em 2005 havia 41,8 milhões de pobres, 22,7% da população, a menor proporção desde 92

Em 2005, o Brasil ainda tinha 41,8 milhões de miseráveis, mas a redução de 10,6% no ano passado foi a maior nos últimos dez anos, fazendo essa parcela da população cair em 5,8 milhões. A proporção de pobres, que alcançou 22,77%, é a menor desde 1992, de acordo com estudo divulgado ontem pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Os dados foram compilados em cima das informações coletadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2005), do IBGE, lançada na semana passada, considerando quem ganha até R$121.

Na comparação com o início do Plano Real, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, há uma ligeira vantagem para o governo em curso. De 1993 a 1995 (a comparação foi feita com 1993, e não com o ano do lançamento do Real, por não ter havido Pnad em 1994), a miséria foi reduzida de 35,31% para 28,79%, num recuo de 18,47%. Entre 2003 e 2005, a queda foi de 19,18% - 8,6 milhões de pessoas deixaram de pertencer ao universo de miseráveis.

- É como se houvesse um segundo (Plano) Real na redução da pobreza entre 2003 e 2005. As curvas descendentes se equivalem nos dois períodos. Para chegarmos a essa situação atual, vários fatores se somaram. Primeiro, uma inflação menor para os mais pobres. Depois, veio a ampliação do Bolsa Família de 6,5 milhões de famílias beneficiadas para 8,7 milhões. E, por último, o reajuste real de quase 10% do salário mínimo. No Real, com o fim da inflação, as políticas sociais ficaram mais efetivas - explicou o economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV, que preparou o estudo.

Este ano, pobreza deve cair mais ainda

Outro fator que contribuiu para reduzir o número de pobres, que em 2003 somavam 50 milhões, foi a expansão do emprego formal, segundo Neri, para quem a diferença básica entre os dois períodos está na desigualdade. Segundo ele, em 1993, um ano antes do Real, a desigualdade era superdimensionada por causa da hiperinflação. Isso criou um efeito ilusório de queda maior da desigualdade com a implantação do Real, que trouxe estabilidade:

- No período recente, a miséria caiu com mais força pela melhoria na distribuição de renda.

Enquanto entre 1993 e 1998 a desigualdade de renda caiu apenas 1,1%, de 2003 a 2005 esse recuo chegou a 3,49%. Este ano, tudo indica que tanto a miséria quanto a desigualdade devem continuar a cair, já que os fatores que vêm empurrando a parcela de miseráveis para baixo prosseguem, e com mais força: o número de famílias beneficiadas subiu para 11,1 milhões, o salário mínimo sofreu um reajuste real de 13% e o emprego formal deve repetir o desempenho de 2004, o maior da década, com 1,5 milhão de novas vagas com carteira assinada.

- Completando que, em anos eleitorais, a miséria sempre cai mais - lembrou Neri.

Com esse resultado, o Brasil alcançou na metade do tempo previsto a meta do milênio, estabelecida pela ONU, de reduzir em 50% o percentual de miseráveis:

- Nessa medida que considera quem ganha até US$1 por dia, a indigência que caiu de 6,15% para 5,32% da população. De 1992 a 2005, a redução chegou a 54,61%.

O economista montou cenários de melhoria das condições de vida. Para isso, projetou alta de 3% na renda per capita em 2006. Sem melhoria na distribuição de renda, a miséria cairia apenas 3,62%. Com uma pequena redução nas distâncias de ganhos, a parcela de miseráveis baixaria 8,4%. Se a distribuição melhorar mais um pouco, com o Índice de Gini (quanto mais próximo de zero, melhor a distribuição) passando de 0,568 para 0,548, a miséria seria reduzida em 23,58%:

- O gasto social no Brasil é grande, mas a qualidade deve melhorar. Não defendo o aumento no número de famílias que recebem a bolsa, mas uma melhoria na qualidade, tentando atingir os mais pobres dos pobres. Assim, a desigualdade deve cair mais ainda.

O diretor do Departamento de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério do Desenvolvimento Social, Rômulo Paes, afirma que os programas de transferência de renda, com destaque para o Bolsa Família; o aumento real (descontada a inflação) de 10% no salário mínimo, de 2004 para 2005; e o crescimento da formalidade no mercado de trabalho, com recomposição da renda, explicam a queda da miséria. Paes afirmou que as alterações macroeconômicas que aconteceram desde 1995 proporcionaram ganhos imediatos para a população, sobretudo a mais pobre. Porém, com o passar dos anos, o efeito diminuiu.

os diferentes cálculos

A linha de pobreza traçada pelo economista Marcelo Neri, da FGV, é uma das mais altas. Foi o primeiro resultado sobre miséria com base na Pnad/2005 a ser lançado. Neri considera miserável quem tem renda domiciliar per capita de até R$121 mensais, o suficiente para comprar uma cesta de alimentos de 2.288 calorias. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), outro órgão a medir a pobreza - não existe uma linha oficial no Brasil -, considera o consumo de 2.100 calorias diárias para estabelecer o percentual de pobres. Assim, calcula o ganho necessário per capita (o valor deste ano ainda não foi divulgado) para comprar essa cesta. O Ipea só considera miserável ou indigente quem ganha a metade desse valor, ou seja, não tem o suficiente para comer. A ONU tem uma linha de pobreza ainda inferior: quem ganha menos de US$1 por dia. Nesse critério, a miséria atingiria 5,32% dos brasileiros. Já o critério do Bolsa-Família é de meio salário mínimo per capita.