Título: APREENSÃO DE R$1,7 MILHÃO REACENDE DISCUSSÃO SOBRE USO DE CAIXA DOIS
Autor: Raquel Miura e Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 24/09/2006, O País, p. 4

Especialistas dizem que valor elevado em espécie é forte indício de origem ilegal

BRASÍLIA. A apreensão de R$1,7 milhão pela Polícia Federal no episódio da compra de dossiê contra candidatos tucanos por militantes do PT reacendeu o debate sobre o uso de caixa dois na campanha eleitoral. Especialistas e parlamentares petistas ouvidos pelo GLOBO consideram que o valor elevado de recursos em espécie ¿ reais e dólares ¿ é um forte indício de que o dinheiro encontrado em um hotel em São Paulo tem origem ilegal. Os especialistas acham que o episódio é uma evidência de que o uso do caixa dois continua presente nas campanhas eleitorais deste ano, mesmo depois do escândalo do mensalão e das mudanças nas regras eleitorais.

¿ Para mim a origem é ilícita, criminosa. Pode ser desvio de recurso ou caixa dois. Estou perplexo com o que aconteceu. Alguns atuam sem qualquer escrúpulo, e todo o partido sai prejudicado. Vamos investigar o dossiê e a tentativa criminosa de comprá-lo ¿ disse o deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), presidente da CPI dos Sanguessugas.

¿Foi um golpe muito baixo¿

Outro petista, o deputado Paulo Rubem Santiago (PE), sub-relator da CPI , também se mostra indignado com o episódio e levanta suspeitas sobre a origem do dinheiro:

¿ Sei que a operação não foi legal, isso não foi. Pode ter sido caixa dois, verba não declarada. Foi um golpe baixo, muito baixo e, acima de tudo, uma enorme estupidez de quem se acha dono do partido. Precisamos rever essa autonomia de alguns membros do PT.

O montante de R$1,7 milhão apreendido pela PF surpreendeu os parlamentares que, diante das novas regras eleitorais e dos recentes escândalos envolvendo o uso de caixa dois, enfrentam dificuldades para arrecadar recursos para a campanha.

¿ Não é dinheiro do caixa do PT. Nós estamos fazendo vaquinha para pagar dívidas, não pode ter saído do partido. Tenho a impressão de que foi uma operação ilegal. Acho que houve doações, mas o dinheiro foi desviado de função. Além disso, foi a maior burrice que eu já vi e que prejudicou todo o partido ¿ diz o deputado Dr. Rosinha (PR).

O líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (SP), prefere esperar a conclusão das investigações, mas não afasta as suspeitas.

¿ Pode ser doação, pode ser caixa dois, pode ser qualquer coisa a esta altura. É preciso investigar, inclusive o conteúdo do dossiê. Eu não descarto a hipótese de que os Vedoin tenham feito jogo duplo e que ali tenha dinheiro vindo de outro partido político ¿ provocou o líder petista.

Na visão de especialistas, as novas exigências da Justiça Eleitoral para coibir o uso de caixa dois, como as prestações parciais de contas, não conseguiram impedir o uso irregular de recursos pelos candidatos.

¿ O caixa dois ainda permanece. Há evidências no dia-a-dia. A minirreforma não resolveu o problema. Precisaria haver mais controle e transparência, divulgação semanal dos gastos e limites de gastos mais rigorosos. Hoje tudo é livre ¿ afirma o advogado Fernando Neves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

¿Caixa 2 está no DNA da política¿

Neves não quis opinar especificamente sobre a origem dos recursos que seriam usados na compra do dossiê, alegando que o caso ainda está sendo investigado.

Já o cientista político Gaudêncio Torquato, professor de comunicação da Universidade de São Paulo (USP), acredita que há evidências nesse episódio do uso de recursos não contabilizados.

¿ É claro que são recursos do caixa dois. E a estas alturas a Polícia Federal já sabe a origem do dinheiro. O caixa dois faz parte do DNA da cultura política ¿ afirma.

Para o advogado Torquato Jardim, ex-ministro do TSE, o problema é mais grave porque a lei é feita por quem tem de cumpri-la, no caso, o Congresso:

¿ Essa situação não vai mudar. Quem vai fazer mudar?

Na sua opinião, o sentimento de impunidade contribui para práticas ilegais nas campanhas, como o uso do caixa dois.

¿ Mesmo depois de tantos escândalos, continua o desprezo pela lei. O partido do presidente da República é o primeiro a não acreditar que a lei é eficaz. Fugir da lei virou esporte no Brasil ¿ afirma.

O cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), também acredita que a descoberta de R$1,7 milhão em espécie é uma forte evidência de que o dinheiro veio do caixa dois. Para ele, as medidas adotadas pelo TSE para coibir essa prática se mostraram inócuas.

¿ Seria necessário transformar o uso do caixa dois em crime comum, previsto no Código Penal. Hoje essa prática é considerada crime eleitoral e a punição muito branda ¿ lamenta Barreto.

(*) Da CBN, especial para O GLOBO