Título: GOSTO POR BAJULADORES VIROU ARMADILHA PARA LULA
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 24/09/2006, O País, p. 10
`Com o puxa-saco não é preciso dividir prestígio nem ouvir verdades às vezes dolorosas¿, diz amigo do presidente
SÃO PAULO. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está pagando pelo fato de usar o governo para acomodar amigos e ex-companheiros de movimento sindical. Para antigos colegas que optaram por permanecer fora do governo, um dos defeitos de Lula desde os tempos de sindicalismo é gostar de se cercar de bajuladores. À sombra de Lula, os aduladores ganharam poder próprio e passaram a agir à revelia do presidente, com o objetivo acumular mais poder.
Parte desse grupo de bajuladores e ex-sindicalistas caiu em desgraça quando seus nomes foram associados a escândalos. Outra parte deixou o governo quando os primeiros sinais de irregularidades surgiram. Alguns poucos escaparam ilesos das acusações e continuam ao lado do presidente.
¿ Lula tem uma corte, um grupo de melhores amigos que bebem juntos, pescam juntos e vieram do meio sindical. Esta corte está por cima da carne seca. É um pessoal que arrota ter proximidade com o presidente, e tem muita gente que acredita. Com isso, conseguem mover montanhas ¿ resumiu o sociólogo Francisco Oliveira, ex-petista, professor emérito da USP e um dos principais desafetos do presidente.
No ensaio ¿O ornitorrinco¿, publicado em 2003, logo depois de sua decepção com o início do governo Lula, Oliveira definia os sindicalistas como a nova classe social.
¿ Na verdade eles lutam pelo butim, pelo controle do Estado e do dinheiro público ¿ disse o sociólogo.
¿A lógica do holerite¿
Para antigos parceiros de Lula nas históricas greves do ABC, o presidente sempre gostou de bajulação.
¿ Lula sempre se cercou de puxa-sacos. É só bajular um pouco. Quem não gosta? Com o puxa-saco não é preciso dividir prestígio nem ouvir verdades que às vezes são dolorosas ¿ diz Expedito Soares, ex-tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e fundador do PT ao lado de Lula.
Para Soares, se Lula tivesse se cercado dos amigos certos possivelmente não teria enfrentado alguns problemas.
¿ A gente brigava com ele, botava o dedo na cara, era outro papo. Tínhamos autoridade porque passamos pela mesma experiência. A relação era horizontal ¿ diz Soares.
Para Djalma Bom, o fiel escudeiro de Lula nas greves do ABC, alguns dos ex-sindicalistas que hoje orbitam em torno do presidente só pensam nos próprios interesses.
¿ Infelizmente a lógica do holerite (contracheque) acaba prevalecendo. Essas pessoas se deslumbraram com as facilidades e mordomias do poder, acham que são os maiores de todos, que podem fazer o que bem entenderem e usam de todas as artimanhas para se manter. O governo está cheio de puxa-sacos ¿ diz Djalma.
Segundo ele, Lula atentou para a ¿lógica do holerite¿ ainda na época do sindicalismo. Ao perceber que alguns companheiros estavam se apegando aos cargos, Lula decretou um rodízio. A cada mês um dirigente voltaria para a fábrica e seria substituído por um metalúrgico.
Para Djalma, as práticas e os objetivos dos sindicalistas que chegaram ao poder são semelhantes às da geração que precedeu Lula:
¿ Eles faziam qualquer acordo para continuar com as mordomias do cargo.
Para esse conjunto de práticas a geração de Lula nos sindicatos usava um termo forte: peleguismo.
¿ Abominávamos o apego ao poder. Chamávamos quem fazia isso de pelêgos. Na época das greves, as montadoras chegavam para a gente e diziam: vamos resolver isso, e seus filhos poderão estudar na Europa. Respondíamos que nosso vínculo não era com o dinheiro, mas com os trabalhadores ¿ diz Djalma.
A eleição de Lula em 2002 provocou uma euforia entre os antigos conhecidos do presidente na região do ABC. Amigo próximo de Lula há mais de 30 anos, Juno Rodrigues Silva, o Gijo, dono de um restaurante em São Bernardo do Campo, diz receber vários ex-grevistas do ABC querendo a ajuda de Lula.
¿ Muitos antigos companheiros chegam aqui dizendo que estão desempregados, não conseguem se aposentar. Digo que não há o que fazer. Pego os currículos e encaminho para empresas ¿ diz Gijo.
Raízes sindicais esquecidas
Para ele, a própria estrutura da Presidência se encarrega de impedir que esses pedidos cheguem a Lula. Ironicamente, um dos responsáveis por barrar os pedidos era Freud Godoy, até semana passada secretário particular de Lula e exonerado ¿a pedido¿ após a acusação de envolvimento no escândalo do dossiê contra tucanos.
Para Gijo, alguns ex-sindicalistas que ascenderam ao poder hoje ignoram as raízes.
¿Não sei se os compromissos que eles têm são muito importantes ou se é a gente que não tem importância para eles ¿ diz.
Na opinião de Francisco Oliveira, a truculência vista no mais recente escândalo está relacionada à forma de disputa no meio sindical:
¿ O meio sindical não usa luvas. Tucanos e banqueiros são mais educados porque são mais bem criados e tiveram mais instrução.