Título: GOVERNABILIDADE PÓS-CRISE PREOCUPA ESTUDIOSOS
Autor: Cláudia Lamego e Paula Autran
Fonte: O Globo, 24/09/2006, O País, p. 12

Para cientistas políticos, sucessão de escândalos envolvendo Lula pode dificultar o governo caso o petista se reeleja

Concertación ou impeachment? Reforma política ou crise institucional? Arroubos autoritários ou preservação da democracia? O escândalo do dossiê envolvendo a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a poucos dias da eleição ¿ num pleito em que o favoritismo do presidente parece inabalável ¿ começa a levantar preocupação sobre a governabilidade num eventual segundo mandato. Com a radicalização do discurso da oposição, que apostou no sangramento do presidente mas não viu seu candidato decolar nas pesquisas, analistas políticos prevêem um cenário caótico se Lula for reeleito.

Carlos Fico, historiador da UFRJ e autor do livro ¿Além do golpe, versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura¿, não acredita em risco institucional, mas prevê o surgimento de novas crises no próximo governo. Ele não descarta a hipótese de que a oposição tente o impeachment contra o presidente.

¿ A oposição vai continuar investigando e tentando desestabilizar o governo. Não há a menor hipótese de o presidente ter a boa vontade da elite e da oposição. Sem o apoio da opinião pública, não vejo condições de fazer um governo de coalizão. As investigações vão prosseguir e, com o sistema político corrompido do jeito que está, há risco de descobrirmos um envolvimento mais grave do presidente ¿ afirma Fico.

O cientista político Bolivar Lamounier, da consultoria Augurium, lembra que antes da primeira crise, deflagrada pelo episódio Waldomiro Diniz, PSDB e PFL até ajudaram a aprovar projetos do governo. Mas, de lá para cá, a situação só piorou.

¿ Se reeleito, Lula assume um segundo mandato em situação de desgaste. Ninguém acredita no que ele diz, tanto opinião pública e imprensa quanto o Congresso. Para governar, ele tem três hipóteses: tentar continuar com a mesma base, o que não é tão fácil; basear-se principalmente no PMDB, dando a ele uns cinco ministérios; ou tentar governar sozinho, bancando o populista e assinando decretos, o que acho mais descabido, pois o Brasil avançou muito. A segunda parece mais mediana. Mas trará problemas, pois o PMDB não é um partido austero. Se ele ocupar vários ministérios, como controlar os gastos? ¿ pergunta Lamounier.

O cientista político da Unicamp Roberto Romano, especialista em ética na política, acredita que Lula atravessará um primeiro ano de governo tempestuoso. E não descarta que ele tente se manter no poder de forma ditatorial.

¿ A corrupção disseminada não se coaduna com o estado democrático de direito. O próprio presidente disse a empresários que muitas vezes tem vontade de fechar o Congresso. O supremo mandatário de um país democrático dizer isso é muito grave ¿ afirma.