Título: ÁLCOOL: TOLERÂNCIA ZERO
Autor: ANALICE GIGLIOTTI
Fonte: O Globo, 25/09/2006, Opinião, p. 7

Sábado, duas horas da tarde. Artur pára num posto de gasolina para abastecer seu carro. Compra uma garrafa de cerveja. Toma a cerveja no carro e segue dirigindo. No dia seguinte, meio-dia, Lígia vai receber amigos para uma feijoada. Abre a geladeira e vê que não há cerveja suficiente para todo o pessoal. E pede para que seu filho (menor de 16 anos) vá até um boteco e compre umas garrafas. Na semana seguinte, esse mesmo filho vai a uma festa. Lá, toma, como todos, ¿umas doses de vodca¿ e, na volta, morre num acidente de carro. Cenas cotidianas. Inclusive o final trágico.

Quando se tenta conscientizar a população dos riscos de beber e dirigir, esquece-se de que este e outros hábitos estão inseridos numa cultura permissiva ao uso, abuso e dependência de álcool.

É inadmissível vender cervejas em postos de gasolina. Inaceitável a venda indiscriminada de derivados alcoólicos a menores de idade. Aviltante a idéia de que a lei que limita a concentração alcoólica em motoristas a 0,06 g/l não seja cumprida. Pior: a imensa maioria da população brasileira sequer viu um bafômetro. Revoltante o preço de uma garrafa de cachaça ser aproximadamente o mesmo de um litro de leite. É também perturbadora a evidência de que propagandas de bebidas alcoólicas estejam vinculadas a esportes, como futebol ou maratonas. E que tais esportes, corretamente, sejam intensamente incentivados na juventude.

Segundo dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), 76% dos estudantes de primeiro e segundo graus já usaram álcool alguma vez na vida. Ilegalmente. E há um detalhe: estudos científicos vêm comprovando que o cérebro só está totalmente formado aos 25 anos. Isto significa que menores a esta idade ainda não têm noção do que é vida e morte, o que é risco ou não. Mas, mesmo assim, aos 18 anos, a lei já permite beber e dirigir.

O que a população não sabe é que países que proíbem totalmente a propaganda de bebidas alcoólicas têm 30% menos acidentes automobilísticos fatais. Nos Estados Unidos, a idade mínima para a compra de álcool passou para 21 anos, reduzindo em 16% a ocorrência de acidentes noturnos com jovens.

Por isso, a proposta da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead) dirigida ao governo é: proibição total da propaganda do álcool; aumento do preço; dificultar o acesso à bebida; concentração zero de álcool no bafômetro para motoristas menores de 25 anos. Se isso, e somente isso, fosse cumprido, as mortes daqueles cinco jovens poderiam ter sido evitadas. E, como as mortes deles cinco, as de cinqüenta mil outros.

ANALICE GIGLIOTTI é vice-presidente da Abead