Título: ATAQUE DE LULA À IMPRENSA PROVOCA REAÇÕES
Autor: Maia Menezes
Fonte: O Globo, 26/09/2006, O País, p. 11

Jornalistas e políticos criticam PT e presidente e defendem a cobertura do escândalo da compra do dossiê

As críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT à cobertura da mídia sobre o escândalo da tentativa de compra por petistas de um dossiê contra tucanos provocou o debate: jornais, TVs e revistas estariam exagerando nos relatos do caso? Não, na opinião de jornalistas e políticos ouvidos pelo GLOBO. Para uns, Lula e o PT deveriam lembrar que a mídia foi canal para o crescimento do partido e do candidato, em outros tempos. Para outros, é preciso destacar que o episódio da compra do dossiê contra o candidato do PSDB ao governo do estado de São Paulo, José Serra, foi criado por integrantes do partido de Lula, não por jornalistas.

O presidente corre riscos ao tentar triunfar sobre conquistas democráticas, na opinião do deputado federal Paulo Delgado (PT-MG). Aliado de Lula, o deputado afirma que o presidente, o PT e os petistas deveriam se contentar em vencer as eleições. Ele lembra que as críticas e cobranças a quem está à frente das pesquisas são necessariamente maiores:

- Nós estamos cuspindo na rotativa que comemos. O PT é um produto da imprensa. A imprensa sempre ampliou a nossa voz e a nossa luta. A cobertura democrática cobra mais do vencedor. Sempre. O PT sabe disso. É obrigação da imprensa livre. Nós devemos nos contentar em vencer as eleições. E não em triunfar sobre a liberdade de imprensa e de opinião - afirmou o petista.

"Ele quer criar ambiente de cizânia", diz Dines

Em discurso para militantes sábado, em São Paulo, o presidente atacou o que chama de "partidarismo da imprensa" e pediu uma "cobertura republicana" do escândalo. O texto de abertura da última edição do boletim eletrônico do PT, intitulado "Força do povo, fraqueza da mídia", afirma que a mídia "continua elitista e não aceita que o povo seja capaz de pensar, sem depender da intermediação dos autoproclamados formadores de opinião".

O jornalista Alberto Dines, editor do Observatório da Imprensa, afirma que o discurso de Lula e de seu partido, nos últimos tempos, está "esquizofrênico". A mídia, segundo ele, "tirou o PT e o presidente da obscuridade".

- O presidente xinga e quer virar a mesa. Eles querem criar uma tensão. Isso vai ter conseqüências terríveis. Percebe-se que o objetivo é prejudicar a imprensa, que tem se comportado muito bem, que tem conseguido vencer o corporativismo. Ele quer criar ambiente de cizânia, de suspeição.

Para Dines, Lula não tem equilíbrio suficiente para conduzir momentos de crise:

- O Lula está melando o jogo, porque é árbitro engajado. Ele não tem equilíbrio para ser árbitro. Por mais que se queira separar do Hugo Chávez, ele é igual ao Chávez.

O diretor de Redação do jornal "O Estado de S.Paulo", Sandro Vaia, sustenta que a imprensa está cumprindo sua obrigação ao cobrir e dar espaço em suas edições ao episódio, sem "partidarismos".

- Se o próprio presidente diz que os assessores que provocaram esse último escândalo são "aloprados", o que deveria a imprensa fazer? Tanto o presidente da República como seu partido tentam acusar a imprensa de 'ataques e manobras' atribuindo-lhe até preconceito de classe, quando na verdade os atores do escândalo são todos membros do partido, comandados por seu próprio presidente, que foi afastado do comando da campanha - afirmou Vaia, para quem Lula e o PT estão confundindo o conceito do que é "republicano":

- Nem o presidente da República nem seu partido têm a menor noção do que querem dizer quando falam em "cobertura republicana". Eles estão confundindo os interesses da República com seus interesses partidários e eleitorais.

O tom usado por Lula no último domingo se confronta com o que adotou, por exemplo, em entrevista concedida ao Jornal da Band, no último dia 14:

- A liberdade de imprensa não é um desejo. É um compromisso de vida, até porque sou presidente por causa da liberdade de imprensa. Não que eu sempre concorde com o que a imprensa faz. Às vezes, ela condena inocentes, perdoa culpados. A imprensa também erra. Mas o exercício da democracia permite isso. Na melhor das hipóteses, o leitor vai julgar - disse o presidente, na época.

Ex-petista, o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) afirma que os jornais - "como todos os velhos marxistas do PT sabem" - tiveram papel importante na "elevação da consciência política do povo".

- O problema é que o Lula, para justificar seus erros, infantiliza o povo. Ele está propondo que o povo não leia mais nada, que só escute a voz dele. É um quê de absolutismo. Para ele, como na época do Brasil absolutista, imprensa boa é imprensa oficial.

O deputado diz não acreditar na imparcialidade da mídia, mas ressalta que as opiniões dos órgãos de imprensa têm ficado restritas aos editoriais. Para ele, quem deu margem ao noticiário negativo foi o PT:

- A mídia no pior dos casos até aumenta, mas não inventa. E o que o PT deu de chance para esse noticiário acontecer...

O jornalista Marcelo Beraba, ombudsman da "Folha de S.Paulo", afirma que a imprensa tem agido corretamente ao dar visibilidade ao caso:

- O dossiê, origem da última crise, não foi criado pela mídia, mas pelos membros do PT. A imprensa age de forma correta ao dar visibilidade ao caso e ao exigir que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal investiguem as denúncias - disse o jornalista.

OUTRA TURMA, de Luiz Garcia,na página 7

Tema vira discussão na internet

O debate em torno do papel da mídia na cobertura do escândalo que envolve a campanha de Lula provocou acaloradas discussões cibernéticas entre o jornalista Luiz Weis, do Observatório da Imprensa, e o filósofo Emir Sader. Em resposta a um artigo do filósofo, num blog, em que afirma que "o povo não acredita na imprensa (as exceções são conhecidas: Carta Capital, Carta Maior, Caros Amigos, Brasil de Fato e várias outras vozes dissonantes, alternativas, embora minoritárias)", Weis reagiu:

"A imprensa tem fé pública para a sua missão fundamental, que é a de fiscalizar os governos. Essa fé pública é posta a prova dia a dia nos quatro cantos do mundo, que não censura a informação", diz Weis, no site do Observatório da Imprensa.

Emir Sader questiona, no blog, os critérios da imprensa para organizar debates públicos "com as pessoas que lhes interessam, no cenário que preferem, com as perguntam que privilegiam". O filósofo afirma ainda que os meios de comunicação tentam "desesperadamente" assumir uma representação "que ninguém lhes atribuiu", na tentativa de influenciar o eleitorado. Ele sustenta que a imprensa já teria "perdido" esses eleitores, diante das políticas sociais e do "instinto social consolidado no voto do povo".

Luiz Weis enumera casos recentes em que o papel da mídia foi apenas o de noticiar os escândalos. "Foi a mídia que fabricou a 'abominável' tentativa petista de 'fazer negócio com bandido' (Lula), para comprar um dossiê contra José Serra?", questionou Weis, usando palavras de Lula.

"Já se disse que, numa escolha hipotética, seria melhor não ter governo do que não ter imprensa", conclui o jornalista.

'NYT': 'vitória esmagadora'

Banalização da corrupção

NOVA YORK. Pela segunda vez em quatro dias o "New York Times" publicou reportagem sobre a eleição brasileira. Ontem, sob o título "Brasil se prepara para votar, a mancha do escândalo parece se extinguir", o jornal relata que, há um ano, o presidente Lula estava ameaçado pelo mensalão, definido como "o maior escândalo de corrupção da história moderna do Brasil". "Mas, agora, ele parece se encaminhar para a reeleição com uma vitória esmagadora", diz. Citando analistas políticos, o jornal afirma que a reviravolta é resultado de vários fatores, entre eles os programas sociais e o cansaço do eleitor de ouvir, dia após dia, histórias de corrupção.

A reportagem, publicada na página 8 do jornal, faz um balanço dos escândalos na administração petista e lembra que mais de 11 milhões de famílias se beneficiam do programa Bolsa Família.

O "NYT" cita ainda os "dez mandamentos" que líderes do partido deram a Lula, "propenso a gafes e exageros quando fala de improviso", incluindo evitar debates e entrevistas.

Lula perde terreno, diz 'FT'

Dossiê abriu competição

Em reportagem sobre as eleições brasileiras publicada no domingo, o diário britânico de economia "Financial Times" afirmou que a última semana da campanha presidencial se transformou numa "competição genuína" com a descoberta da tentativa de compra do dossiê contra tucanos. "Uma tentativa frustrada de envolver a oposição terminou com a prisão ou demissão de oito membros da equipe da campanha do presidente ou de seu partido", relata a reportagem.

A queda do presidente Lula nas pesquisas é atribuída, além do escândalo do dossiê, à revisão das taxas de crescimento. "Adicione a isso o descontentamento do país com a vacilante reação dada à Bolívia na nacionalização de propriedades da Petrobras e o caminho parece livre para o candidato da oposição, Geraldo Alckmin, forçar Lula a um segundo turno", afirma o correspondente Jonathan Wheatley. O jornalista pondera, entretanto, que a baixa inflação e os programas sociais dão a Lula ampla vantagem entre os eleitores mais pobres.

'El País': PT se revelou corrupto

Jornal espanhol relata crise

O jornal espanhol "El País" fez um balanço do governo Lula e afirmou que o presidente, muito provavelmente, será reeleito, apesar da desilusão dos eleitores: "Os escândalos de corrupção que o governo de Lula e sobretudo o PT protagonizaram nos dois últimos anos e que continuam acontecendo às vésperas das eleições têm sido uma ducha de água fria para os cidadãos".

O jornal relata que o Brasil volta às urnas em clima de "perplexidade política" diante da recente descoberta da tentativa de compra de um dossiê contra os adversários nas eleições: "O PT de Lula, maior partido de esquerda da América Latina, considerado a reserva ética do país, se revelou talvez mais corrupto que os partidos que criticava". E afirma que, se Lula não conseguiu corresponder às expectativas que despertou ao ser eleito em 2002, ao menos convenceu a maioria dos eleitores de que os outros candidatos não farão melhor do que ele.

E lembra que não há no país nem resquício do clima de euforia política de quatro anos atrás, quando o slogan era "a esperança venceu o medo".

O Lula está melando o jogo porque é árbitro engajado. Ele não tem equilíbrio para ser árbitro. Por mais que se queira separar do Hugo Chavez, ele é igual ao Chavez

ALBERTO DINES

Jornalista

Nós estamos cuspindo na rotativa que comemos. O PT é um produto da imprensa. A imprensa sempre ampliou a nossa voz e a nossa luta

PAULO DELGADO

Deputado federal (PT-MG)