Título: MULHER QUE DESAFIOU TALIBÃ É ASSASSINADA
Autor:
Fonte: O Globo, 26/09/2006, O Mundo, p. 30

Milícia radical mata Safia Ama Jan, que dirigia escolas femininas no Afeganistão

KANDAHAR, Afeganistão. Milicianos talibãs assassinaram ontem de manhã uma funcionária do governo afegão responsável por levar educação às mulheres da região. Safia Ama Jan era a diretora do Departamento de Assuntos Femininos do governo afegão desde que a milícia Talibã foi expulsa do governo por uma aliança de líderes tribais com apoio dos Estados Unidos.

Safia foi executada quando saía de casa e entrava num táxi que a levaria para o trabalho. Os assassinos se aproximaram dela numa moto e dispararam dezenas de vezes.

- Ela morreu no local. Não houve tempo de buscar tratamento - disse um sobrinho de Safia, Farhad Jan.

Nas últimas semanas, a milícia talibã está realizando sua maior ofensiva desde que foi derrubada, no fim de 2001. Uma prova da volta do reino de terror foi a escolha cautelosa de palavras por parte do sobrinho de Safia ao ser perguntado sobre quem poderia ter matado sua tia:

- Não tínhamos qualquer sentimento de inimizade pessoal com qualquer um.

Porém, poucas horas depois do assassinato, o Talibã assumiu a responsabilidade pelo ataque.

- Dissemos para todas as pessoas várias vezes que qualquer um que trabalhe para o governo, inclusive mulheres, será morto - disse um dos principais comandantes militares do Talibã, o mulá Hayat Khan.

A cidade de Kandahar era o principal bastião do movimento radical talibã que tomou o poder no Afeganistão no fim de década de 1990. O grupo deu guarida a Osama bin Laden.

O regime impôs uma visão estreita do Islã à população, e o grupo que mais sofreu foram as mulheres. Elas foram proibidas de trabalhar, estudar e até mesmo sair às ruas sem que todo o seu corpo - inclusive os olhos - estivesse escondido atrás de uma veste, a burca.

O assassinato de Safia Ama Jan provocou forte reação do governo afegão e mesmo na ONU.

- A missão de assistência da ONU está chocada por este assassinato sem sentido de uma mulher que estava simplesmente trabalhando para assegurar que todas as mulheres afegãs estejam envolvidas de forma total e igualitária na construção do futuro do Afeganistão - disse o porta-voz da missão da ONU do Afeganistão, Aleem Siddique.

Otan mata dez talibãs em combate em Paktika

Safia Ama Jan abriu seis escolas que atendiam a mil mulheres na região de Kandahar e se tornou muito visada pelos talibãs. Nas últimas semanas, quando a milícia realizou os maiores ataques desde 2001, principalmente na área de Kandahar, diversos funcionários do governo fugiram. O número de mulheres andando nas ruas, mesmo trajando burcas, também diminuiu bastante. Safia, porém, permaneceu, lutando para manter as escolas abertas.

- Ela era muito valente. Também era muito trabalhadora. Estava sempre tentando fazer o melhor para levar a educação às mulheres - disse seu secretário, Abdullah Khan.

O presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, homenageou Safia, num discurso feito em Cabul.

- Os inimigos do Afeganistão estão tentando matar aquelas pessoas que estão trabalhando para a paz e a prosperidade do país. Os inimigos do Afeganistão devem entender que temos milhões de pessoas como Ama Jan - disse ele.

Amigos de Safia, porém, afirmam que ela pedira proteção policial, pois recebera ameaças recentemente. O governo se recusou a oferecer tal proteção.

Tropas da Otan mataram dez milicianos talibãs em combates na província de Paktika, ontem. As tropas ocidentais estão fazendo a maior operação militar desde a guerra de 2001 para desbaratar o avanço talibã das últimas semanas.