Título: PAPA: DIÁLOGO COM ISLÃ É VITAL
Autor:
Fonte: O Globo, 26/09/2006, O Mundo, p. 30
Bento XVI se reúne com representantes de países muçulmanos, mas não pede desculpas
Numa tentativa de dar um fim à crise com parte da sociedade islâmica, o Papa Bento XVI disse ontem que o diálogo entre cristãos e muçulmanos é uma necessidade vital da qual depende o futuro das duas religiões. As palavras foram ditas numa rara reunião do Pontífice com representantes de países de maioria islâmica em Castelgandolfo, casa de verão do Vaticano. A expectativa em relação à reunião era tão grande que o encontro foi transmitido ao vivo pela TV e pela rádio do Vaticano, para a Itália, e também pela rede de TV al-Jazeera, para todo o mundo árabe.
Porém, mais uma vez Bento XVI não pediu desculpas pelo discurso de 12 de setembro na Universidade de Ratisbona, na Alemanha, no qual ele citou palavras de um imperador bizantino que disse que Maomé não trouxe nada que não fosse "coisas más e desumanas", como ordenar que espalhassem sua fé com violência, e citou teólogos que dizem que não há racionalidade no Islã. A reunião de ontem foi a quarta vez que o Papa tentou minimizar a crise com o Islã.
- Fiéis aos ensinamentos de suas próprias tradições religiosas, cristãos e muçulmanos devem aprender a trabalhar juntos, como, na verdade, já fazem em muitas tarefas comuns, para se protegerem contra todas as formas de intolerância e para se oporem a todas as manifestações de violência - disse o Papa, em francês, num discurso de cinco minutos no qual frisou a importância do diálogo entre as duas religiões. - Isso não pode ser reduzido a algo opcional. É, de fato, uma necessidade vital da qual, em grande medida, depende o nosso futuro.
Enviados de 21 países islâmicos com representação do Vaticano estiveram na reunião. A única exceção foi o governo do Sudão. Além disso, estiveram presentes um representante da Liga Árabe e membros da comunidade islâmica italiana.
Reações contraditórias
Num primeiro momento, a iniciativa foi bem recebida. O embaixador do Iraque na Santa Sé, Albert Edward Ismail Yelda, espera que a crise acabe:
- O Santo Padre expressou seu profundo respeito pelo Islã. Era isso o que esperávamos. Agora é o momento de deixar para trás o que aconteceu e construir pontes.
O enviado do Irã, Ahmad Fahima, disse que o encontro foi "frutífero", enquanto o embaixador da Bósnia-Herzegovina considerou a reunião "útil".
Porém, nem todos ficaram satisfeitos. O Papa falou por cinco minutos, depois cumprimentou os presentes, trocando rápidas palavras e, no máximo, recebendo uma carta. Não houve qualquer possibilidade de troca de opiniões entre os presentes e toda a reunião durou apenas meia-hora.
- Esperávamos que houvesse um diálogo, mas não foi o caso - disse o embaixador da Indonésia, Bambang Prayitno. - Não houve diálogo. Ficamos surpresos que o encontro tenha sido curto e desta forma.
Um porta-voz da Universidade al-Azhar, o mais respeitado centro de estudos islâmicos sunitas, disse que ainda exige um "pedido claro de desculpas" do Papa.
Papado polêmico
ROMA. Desde que se tornou Papa, Bento XVI já teve momentos polêmicos, a maior parte deles em recente viagem à sua terra natal, a Alemanha, este mês.
DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO: Uma das marcas do papado de João Paulo II foi a aproximação com outras religiões, tornando-se o primeiro Pontífice a entrar numa mesquita e numa sinagoga. O Papa polonês também criou em 1986 uma reunião anual para a qual convidava líderes de todas as religiões para a cidade italiana de Assis. Na primeira reunião de seu papado, em 2 de setembro, Bento XVI não só não foi ao encontro como enviou uma carta na qual alertou "que o encontro inter-religioso de oração não se prestasse a interpretações sincretistas".
COMBATE À AIDS: Durante a visita à Alemanha este mês, Bento XVI disse que, para os sacerdotes católicos na África, preocupar-se com questões espirituais é mais importante do que o combate a doenças como a Aids.
ISLÃ: No discurso de 12 de setembro em Ratisbona, na Alemanha, Bento XVI citou frases do imperador bizantino Manuel II Paleólogo (1350-1425), que disse que Maomé, o profeta muçulmano, só trouxe "coisas más e desumanas" e espalhou "sua fé pela espada".