Título: MAIS DOIS NA UE, SOB CONDIÇÕES
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Fonte: O Globo, 27/09/2006, O Mundo, p. 32

União Européia aceita entrada de Romênia e Bulgária a partir de janeiro, mas impõe restrições

Depois de semanas de tensão, a Comissão Européia (CE) decidiu ontem ampliar o bloco europeu, convidando mais dois países do antigo Pacto de Varsóvia: Romênia e Bulgária, se juntam a partir de janeiro ao grupo dos 25 países. Apesar da permissão, a UE impôs aos dois Estados uma série de restrições, exigindo reformas sociais, políticas, econômicas e até constitucionais, reservando-se também o direito de impor sanções mesmo anos depois da entrada dos países na União Européia.

- A adesão da Bulgária e da Romênia marcará uma conquista histórica na busca da reunificação da nossa família européia - disse ontem o presidente da CE, o português José Manuel Durão Barroso.

Mas por trás das palavras encorajadoras, Durão Barroso se esforçava para controlar um forte movimento de resistência à entrada dos dois países. Por isso, foram impostas severas restrições. Ambos terão que modificar suas legislações, aumentar o combate à corrupção e ao crime organização e alterar normas e práticas na agricultura e na agropecuária. A UE se reserva ao direito de impor proibições de trânsito de pessoas, bens e serviços e até de limitar a remessa de ajuda em dinheiro caso as reformas não sejam realizadas.

De acordo com Durão Barroso, a UE não tem mais como crescer além dos 27 países com a atual legislação. Somente a aprovação de uma Constituição poderia possibilitar novas ampliações.

BULGÁRIA

Alívio na 'queda final do muro'

SÓFIA. Os 7,7 milhões de búlgaros respiraram aliviados ontem com a decisão da Comissão Européia de permitir a entrada do país do bloco europeu. Apesar de sua população ser bem menor que a da Romênia, parceira na adesão à União Européia ano que vem, a Bulgária tem um número maior de problemas estruturais, o que quase provocou um adiamento na sua entrada. O sentimento nacional foi descrito em poucas palavras pelo premier Sergey Stanishev:

- Esta é a verdadeira e final queda do Muro de Berlim para a Bulgária.

Depois de cinco séculos sob domínio turco-otomano, a Bulgária teve uma primeira metade de século XX desastrosa. Nas Guerras Balcânicas, em 1912 o país se aliou a seus vizinhos para enfrentar os otomanos, para logo no ano seguinte se ver enfrentando os aliados de meses antes na disputa por nacos de território. Na Primeira Guerra Mundial, escolheu o lado errado, perdendo ainda mais pedaços do país.

Na Segunda Guerra Mundial, os búlgaros mais uma vez se aliaram aos alemães, mas os líderes do país tiveram o cuidado de não emprestar tropas para a invasão, liderada pelos nazistas, da URSS, participando apenas das ocupações de Grécia e Iugoslávia. Depois da entrada das tropas soviéticas no país e a derrubada do regime em 1944, a Bulgária trocou de lado e enfrentou a Alemanha nos últimos meses da guerra.

Fim do comunismo significa perda de 40% no padrão de vida búlgaro

O país foi um dos primeiros a entrar para a esfera de influência da URSS e teve o líder mais longevo do Pacto de Varsóvia - Todor Jivkov foi o chefe de Estado búlgaro entre 1954 até o fim do comunismo, em 1989.

O fim do comunismo significou uma perda de cerca de 40% no padrão de vida dos búlgaros. Somente em junho de 2004 se atingiu os níveis de novembro de 1989, quando comunismo acabou. Um programa de reformas econômicas foi abalado na década de 1990, com o país sofrendo com as sanções econômicas contra tradicionais parceiros comerciais (Iugoslávia e Iraque) e com a instabilidade de seu setor bancário.

Corrupção endêmica, problemas no sistema judiciário, falta de segurança aérea e até as instalações nucleares de geração de energia elétrica do país são considerados problemas graves para a entrada da Bulgária na União Européia. De acordo com o documento divulgado ontem pela Comissão Européia, o país terá de resolver vários problemas nos meses que antecedem a entrada na UE e até mesmo nos primeiros anos como integrante do bloco.

- É importante continuar com nossa política de tolerância zero com a corrupção e o crime - alertou Rumen Petkov, ministro do Interior da Bulgária. - Se mantivermos a velocidade das reformas, isso será apreciado pelos cidadãos búlgaros e por nossos parceiros europeus.

A Bulgária deve, por exemplo, fazer emendas em sua Constituição para impedir que haja ambigüidade na independência e no controle do sistema judicial. Serão seis alterações somente em questões relativas à Justiça.

Um dos problemas que mais preocupa líderes de países que já integram a UE é a possibilidade de uma invasão de trabalhadores búlgaros. O temor vem de um dado estatístico: desde o fim da década de 1980, a população da Bulgária vem diminuindo devido à emigração.

ROMÊNIA

Reformas e luta contra corrupção

BUCARESTE. Com 22 milhões de habitantes, a Romênia se prepara para ser um dos maiores países da nova União Européia com 27 nações. Desde os tempos do ditador comunista Nicolae Ceausescu apresentando fortes diferenças políticas em relação a seus vizinhos, o país foi o que realizou as mais profundas reformas econômicas nos últimos anos. Apesar disso, a Romênia quase ficou de fora da nova ampliação da UE devido a problemas estruturais, como o fraco combate à corrupção e ao crime organizado.

O anúncio foi feito com grandiloqüência pelo primeiro-ministro, Calin Tariceanu.

- Os romenos têm uma razão para estarem orgulhosos de si mesmos - disse o premier, que, no entanto, tentou modificar um pouco os termos da adesão à UE em seu discurso. - Nossa entrada na UE tem as mesmas condições que os dez países que se juntaram ao bloco em 2004. Assim, depois que tivermos entrado, seremos tratados de forma igualitária por todos os outros países-membros.

Na verdade, o país por pouco não teve adiada por pelo menos mais um ano a adesão à UE, e muitos afirmam que isso só não aconteceu porque se considerou que tal ação faria com que as reformas na Romênia pudessem ser desaceleradas ou até mesmo revertidas.

No final da década de 1990 e início desta década, o país passou por um programa de privatizações que fez com que a presença do Estado na economia se tornasse a menor da região. Ano passado, o governo modificou o sistema de tributação, acabando com os impostos progressivos e criando uma taxa única de 16% para renda individual ou lucros empresariais. Isso fez com que a Romênia se tornasse um dos países europeus com menores encargos fiscais.

Depois da passagem de três impérios, o regime de Ceausescu

Por outro lado, o país enfrenta graves problemas em seu sistema judicial. O Conselho Superior de Magistratura, a principal esfera da Justiça romena, deverá ser reforçado, e a União Européia exige a criação de uma agência governamental para verificar os bens dos principais integrantes do governo e altos funcionários.

Ao lado da Bulgária, o país poderá sofrer um embargo de vários meses na exportação de sua produção animal por não ter níveis adequados de regulação fitossanitária.

Estes problemas podem fazer com que o auxílio da UE para a Romênia seja cortado: uma ajuda de 11,5 bilhões (R$32,3 bilhões).

- Estamos preocupados. A Romênia se arrisca a absorver menos de 15% da ajuda que for enviada por Bruxelas. Assim, fechar o Orçamento para 2007 e 2008 será extremamente difícil - disse Mircea Geoana, líder da oposição social-democrata.

O país tem um histórico de grandes transformações, com os habitantes de seu território vendo passar impérios como o Romano, o Austro-Húngaro e o Otomano. Na Segunda Guerra Mundial, o país lutou ao lado da Alemanha nazista, mandando para campos de extermínio centenas de milhares de judeus, além de milhares de ciganos.

Durante os anos do comunismo, sua figura máxima foi o presidente Nicolae Ceausescu, que implantou um regime de culto à personalidade. Ceausescu foi executado em dezembro de 1989 na revolução que derrubou o comunismo.