Título: Lula evita o debate
Autor: Cristiane Jungblut/Ilimar Franco/Luiza Damé
Fonte: O Globo, 29/09/2006, O País, p. 3

Após um dia inteiro de idas e vindas, petista anuncia decisão três horas antes do encontro

Após um dia inteiro de suspense e mistérios, apenas no início da noite, às 19h01m, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva informou à TV Globo sua decisão de não comparecer ao debate entre os candidatos à Presidência, que começou às 22h30m. Partiu para São Bernardo do Campo, onde fez o último da campanha neste primeiro turno. O presidente tomou uma decisão solitária no Palácio da Alvorada. Segundo assessores, prevaleceu a opinião de que participar do debate o deixaria exposto a um risco desnecessário no momento em que todas as informações internas indicam que ele se encaminha para vencer as eleições no primeiro turno.

Em carta à TV Globo, o presidente Lula usou como justificativa de sua ausência a "virulência dos adversários", mas negou ter receio de debates. Ao longo do dia, Lula ficou no meio do fogo cruzado de assessores e ministros, divididos entre ir ou não ao debate. A desinformação entre assessores de campanha e do Palácio do Planalto chegou ao ápice no meio da tarde, quando informações extra-oficiais davam conta de que o pessoal da Aeronáutica foi para a base aérea com dois planos de vôo - um para São Paulo e outro para o Rio - à espera da decisão de Lula. Apenas às 19h20m o PT divulgou carta confirmando que a ausência de Lula no debate.

Lula afirma na carta ser "fato público e notório o grau de virulência e desespero de alguns adversários, que estão deixando em segundo plano o debate de propostas e idéias, para se dedicar, quase exclusivamente, aos ataques gratuitos e agressões pessoais". O presidente ainda se justificou, afirmando ser um dos políticos que "mais participaram de debates eleitorais".

Irritação com tucanos e pefelistas

Vários fatores levaram o presidente a consolidar a decisão de não ir ao debate que começou a amadurecer na noite de quarta-feira. Lula, de acordo com um ministro, ficou profundamente irritado após receber um relato do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, da audiência que concedeu ao presidente do PSDB, Tasso Jereissati (CE), e ao senador Heráclito Fortes (PFL-PI). Meirelles relatou ao presidente que os senadores foram ríspidos e mantiveram na conversa um tom de exigência.

- Eles estão passando de todas as medidas. As investigações estão adiantadas. Afastei o coordenador de minha campanha na véspera da eleição com todos os riscos que isso implicou e a oposição ainda quer criar factóides - disse Lula, de acordo com um auxiliar do gabinete.

Esta posição se consolidou no meio da tarde depois que o presidente recebeu o resultado de pesquisas qualitativas que diziam que sua ausência no debate não colocaria em risco uma vitória no domingo. Às 16h, um dos ministros da Casa voltou ao seu gabinete, depois de mais uma rodada de reuniões, dizendo que Lula não iria para não correr risco e por considerar que o noticiário do dia seguinte seria predominantemente negativo, independente de seu desempenho.

De manhã, reunião com Okamotto

A área de marketing da campanha era contra a ida de Lula. Os políticos, que defendiam sua presença no debate da TV Globo, perderam a queda-de-braço. O ministro de Relações Institucionais, Tarso Genro, e o coordenador da campanha, Marco Aurélio Garcia, ora defendiam a presença no debate ora diziam que o melhor do ponto de vista eleitoral era não comparecer.

Na Base Aérea de Brasília vários ministros e o coordenador da campanha, Marco Aurélio Garcia, aguardavam o presidente, que deixou o Alvorada por volta das 18h. Antes de deixar o Alvorada, Lula se reuniu com o ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência), o porta-voz André Singer e o chefe do Gabinete Pessoal da Presidência, Gilberto Carvalho, e comunicou sua decisão. Também pediu aos ministros Tarso Genro (Relações Institucionais) e Dilma Rousseff (Casa Civil) para que ficassem em Brasília até hoje à tarde.

Ao longo do dia, Lula disse a ministros que estava animado e que se sentia preparado para responder a qualquer pergunta no debate, mas se convenceu de que seria o alvo dos outros três candidatos. Desde o dia anterior, os mais cautelosos afirmavam que Lula já tinha um eleitorado consolidado e que não deveria ir ao debate.

Outro grupo torcia pela ida de Lula ao debate, afirmando que Lula iria "lá e arrebentar". Vários assessores chegaram a especular que Lula não estava informando que iria ao debate apenas "para não dar tempo de os adversários se prepararem".

A confusão e a divisão interna eram tantas que até mesmo o site do PT divulgou, no meio tarde, nota informando que o comício de São Bernardo estava mantido e que Lula iria "pessoalmente" ou "por mensagem gravada". Seguranças da Presidência chegaram a viajar na quarta-feira para o Rio, já que uma equipe precursora sempre é enviada ao local que Lula visitará.

De manhã, Lula se reuniu com o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, que fugiu dos fotógrafos. Okamotto foi tesoureiro de Lula em campanhas eleitorais e pagou para o PT dívida de R$29 mil que estava em nome de Lula. Em meio a tanta indefinição, à tarde o presidente ainda agiu como candidato: pediu votos a eleitores em plena entrada do Palácio do Alvorada.

- Votem no 13! Não esqueçam do 13! - disse Lula a um grupo de turistas, a maioria de Pernambuco, com quem tirou fotos.

Lula pediu voto até a cinegrafista:

- Baixa essa câmara e vota em mim amanhã.

www.oglobo.com.br/pais/eleicoes2006

'Não posso render-me à ação premeditada de adversários'

Leia a íntegra da nota enviada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à TV Globo às 19h01m de ontem:

"Venho agradecer, respeitosamente, o convite desta emissora para participar do debate sobre as eleições presidenciais, marcado para hoje. Sou um dos políticos que mais participou de debates eleitorais neste país. No entanto, é fato público e notório o grau de virulência e desespero de alguns adversários, que estão deixando em segundo plano o debate de propostas e idéias, para se dedicar, quase exclusivamente, aos ataques gratuitos e agressões pessoais.

"Tenho demonstrado, em toda a minha vida, compromisso com os princípios democráticos e disposição para enfrentar qualquer tipo de debate. Somente na TV Globo, participei de três entrevistas ao vivo no 'Jornal Nacional' no 'Jornal da Globo' e no 'Bom-dia, Brasil' com perguntas livres e contundentes. O tom polêmico destas entrevistas, e a maneira como me comportei, demonstram que não tenho receio de enfrentar o debate franco e democrático. Não posso, porém, render-me à ação premeditada e articulada de alguns adversários que pretendiam transformar o debate desta noite em uma arena de grosserias e agressões, em um jogo de cartas marcadas.

"Aproveito para reafirmar o meu respeito à TV Globo e parabenizá-la pelo trabalho isento que vem fazendo na cobertura destas eleições.

Atenciosamente,

Luiz Inácio Lula da Silva"