Título: China vai construir novo pólo de desenvolvimento
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Fonte: O Globo, 26/06/2006, Internacional, p. A9
Sua economia dá poucos sinais de necessitar um "novo motor de crescimento", mas a China está acelerando o que funcionários do governo chamam de um complemento aos dínamos de Xangai e Shenzhen, as duas cidades portuárias na vanguarda da transformação econômica do país. Uma faixa de terras de uso industrial e de grandes áreas semidesertas que se estende por 150 quilômetros ao longo da costa setentrional chinesa está sendo convertida numa zona de desenvolvimento muito maior do que Xangai ou Shenzhen. E seus planejadores receberam autorização do governo central para testar uma ampla variedade de reformas, tanto econômicas quanto burocráticas.
O governo chinês tem grandes expectativas para esse empreendimento. A Nova Área de Binhai, como a zona é denominada, tem por finalidade contribuir para que uma faixa do norte da China, inclusive a capital, Pequim, e as províncias em torno do golfo de Bohai desfrutem o mesmo tipo de crescimento econômico acelerado gerado por Shenzhen, no delta do rio da Pérola, e por Xangai, nas região em torno do baixo Yangtze.
Com a ajuda de incentivos fiscais e (ao menos por enquanto) terrenos bem mais baratos do que em Xangai ou Shenzhen, as autoridades esperam transformar a zona numa potência industrial que produza aviões e automóveis a microchips e produtos petroquímicos.
Eles querem que a cidade de Tianjin recobre seu status da era pré-comunista, como capital financeira do norte da China. O porto de Binhai, que já é o maior no norte da China, deverá, em 2010, ter o dobro de sua atual capacidade de processamento de contêineres.
A zona também alocou uma vasta área do litoral para recreação: um velho porta-aviões soviético está ancorado num local deserto como elemento central do que deverá se constituir em parque temático militar. Também há desfiles de moda em seu cavernoso hangar.
O sinal verde para o desenvolvimento da região de Binhai demorou para chegar. Os líderes em Tianjin criaram a zona em 1994, mas foi somente a partir do ano passado que o governo central deu um sinal inequívoco de que considera esse projeto como de importância nacional - e não apenas um empreendimento de caráter local.
Em março, o desenvolvimento de Binhai foi citado como um dos objetivos do país, num plano econômico quinqüenal adotado pelo Congresso do Povo chinês. No começo deste mês, um documento do governo central declarou que Binhai é uma "zona experimental para reformas mais abrangentes".
Até hoje, apenas a Nova Área (econômica) de Pudong, principal zona de desenvolvimento de Xangai, desfrutava desse título, que recebeu no ano passado.
Binhai é agora a zona de desenvolvimento predileta do presidente da China, Hu Jintao, e de seu primeiro-ministro, Wen Jiabao (que nasceu em Tianjin), assim como Shenzhen o foi para o falecido líder chinês Deng Xiaoping, na década de 1980, e Pudong foi para o antecessor de Hu, Jiang Zemin. Shenzhen, adjacente a Hong Kong, e Xangai, com sua história pré-comunista de talento capitalista, eram locais óbvios para estabelecer zonas oferecendo condições privilegiadas a investidores estrangeiros. No norte, mais fortemente imbuído do pensamento no velho estilo comunista e fracionado por rivalidades (como entre Tianjin e a vizinha Pequim), a escolha de um lugar para funcionar como marca-passo econômico e centro de irradiação de investimentos revelou-se mais difícil. As pressões lobistas do prefeito de Tianjin, Dai Xianglong, um ex-presidente do Banco Central que assumiu o comando da cidade em 2002, indiscutivelmente ajudou no desenvolvimento do processo.
A proeminência dada recentemente a Binhai sugere que apesar de toda a retórica da liderança chinesa sobre injetar mais investimentos em regiões menos desenvolvidas no centro, oeste e nordeste do país, a costa continua sendo vista como a mais promissora para absorver investimentos. Ao designar Binhai como campo de testes de reformas, a liderança está também sinalizando que não está perturbada pelas recentes críticas públicas a alguns aspectos das mudanças econômicas, entre eles a penetração dos investidores estrangeiros. Binhai confia em que outros US$ 20 bilhões de capital estrangeiro serão investidos na zona até 2010, em comparação com US$ 15,9 bilhões entre 1994 e o fim do ano passado (a maior parte na área de desenvolvimento econômico e tecnológico de Tianjin, encrave de investimentos estrangeiros há muito estabelecido na área de Binhai, onde empresas como a Motorola, Toyota e Samsung têm grandes indústrias). E apesar das preocupações com superaquecimento da economia, Binhai fixou uma meta de crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) anual de 17% durante os próximos cinco anos. No mesmo período, Binhai gastará US$ 15 bilhões em infra-estrutura.
Binhai ainda está detalhando todo um pacote "abrangente de reformas" estruturais.
Pi Qiansheng, um subsecretário do Partido Comunista Chinês em Tianjin e entusiasmado líder em Binhai, diz que o governo central provavelmente aprovará o pacote no mês que vem.
Uma reforma política não é prioritária na agenda, com exceção dos esforços para simplificar a burocracia. Os líderes chineses demonstram apreensão com a insistência de alguns acadêmicos para que Shenzhen, aproximadamente 1.900 Km ao sul, tenha maior liberdade para realizar experiências democráticas.
É pouco provável que Binhai, muito mais próxima a Pequim, seja a pioneira nesse aspecto.
As autoridades de Binhai preferem discutir sobre reformas no setor financeiro (maior liberdade para capitalistas de risco e mais investimentos privados no setor bancário) e no que denominam "administração do uso do solo". Este é um eufemismo para designar uma das questões discutidas mais acaloradamente, entre as atuais reformas econômicas na China, ou seja: se, e como, converter terras rurais em commodity comercializável.
Surpreendentemente, para um funcionário tão importante no partido, Pi diz que a "privatização da terra é uma possibilidade", embora ele sugira que isso não esteja para acontecer em um curto prazo.
Xiao Jincheng, um pesquisador do governo em Pequim, diz que Binhai está considerando uma abordagem distinta da aplicada em Pudong e Shenzhen, onde o governo simplesmente apropriou-se de terras de camponeses com pouca indenização.
A inovação de Binhai poderá estar em permitir que os camponeses vendam seus direitos de uso do solo e fiquem com o dinheiro obtido na transação.
Reformas voltadas para o mercado serão menos evidentes no suprimento de água. Tianjin, como grande parte da China setentrional, sofre intensa escassez de água. Binhai dependerá de água desviada da bacia do rio Yangtze, um projeto caríssimo, bem como de água do mar dessalinizada, também cara. Provavelmente, será o governo, e não a indústria, quem arcará com a maior parte do ônus. (Tradução de Sergio Blum)