Título: KIRCHNER: 'PASSADO NÃO FOI DERROTADO'
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 29/09/2006, O Mundo, p. 37

Desaparecimento de testemunha faz Argentina reviver fantasma da ditadura

- O passado não foi vencido nem derrotado - disse Néstor Kirchner, visivelmente preocupado com o desaparecimento de Jorge Julio López, testemunha-chave no julgamento do ex-repressor Miguel Etchecolatz, condenado à prisão perpétua semana passada. López está sendo procurado pela polícia da província de Buenos Aires há mais de dez dias e a falta de informações sobre seu paradeiro criou um clima de forte tensão entre os argentinos, sobretudo entre as organizações de defesa dos direitos humanos.

Segundo admitiu ao GLOBO o diretor-executivo do Centro de Estudos Legais e Sociais (Cels), Gastón Chillier, "o caso de López instalou o medo no país", um medo que traz à memória a sensação que predominava durante a ditadura (1976-1983).

- Não sabemos o que aconteceu com López, não podemos determinar qual é o poder dos setores que ainda hoje defendem o golpe militar - afirmou o diretor-executivo do Cels, organismo encarregado de investigar crimes da ditadura.

Segundo ele, "é muito provável que policiais da ativa estejam colaborando com grupos que respaldam os militares investigados pela Justiça".

O temor dos organismos de defesa dos direitos humanos, disse Chillier, é que casos como o de López "assustem futuras testemunhas que são fundamentais para outros julgamentos". De acordo com o Cels, após a anulação das chamadas leis do perdão, aprovadas durante o governo de Raúl Alfonsín (1983-1989), cinco militares foram condenados pela Justiça, 59 estão foragidos e 236 foram processados e detidos (dos quais 59 cumprem regime de prisão domiciliar).

- Esperamos a realização de quatro julgamentos em 2007, outros sete já foram pedidos, mas a Justiça ainda não informou a data - confirmou o diretor-executivo do Cels.

Presidente foi o que mais enfrentou militares

Em meio à crise desencadeada pelo caso López, Kirchner, o presidente que mais enfrentou os militares desde a redemocratização do país, assegurou que os argentinos "não têm direito de ter medo".

- Estamos dispostos a acabar com a impunidade, a ter justiça e memória - declarou o presidente argentino, que entre outras inéditas medidas transformou a Escola de Mecânica da Marinha (Esma), principal centro de tortura da ditadura, num museu dedicado à memória dos presos políticos desaparecidos.

A política de defesa dos direitos humanos de Kirchner reavivou o debate entre defensores e opositores do governo militar. Para o analista Rosendo Fraga, "o apoio a um eventual governo militar na Argentina não chegaria a 10%". No entanto, ONGs como a Associação Argentinos por uma Memória Completa, que defende os militares mortos por grupos guerrilheiros e justifica a repressão a opositores da ditadura, provocam cada vez mais ruído na sociedade argentina.

- Devemos estar atentos, o passado deve ser derrotado - insistiu Kirchner. (J. F.)