Título: APESAR DE TUDO, USO DE CAIXA DOIS CONTINUA
Autor: Alan Gripp
Fonte: O Globo, 01/10/2006, O País, p. 10

Pelo menos cinco casos de apreensão de dinheiro vivo reacendem a discussão

O sprint final dos candidatos deu sinais claros de que o caixa dois continua a mover as campanhas eleitorais. Nos últimos dias, vários foram os indícios de que partidos não abandonaram a prática que culminou no escândalo do mensalão. As primeiras evidências surgiram com pelo menos cinco casos de apreensões de dinheiro vivo, sem origem explicada, em quatro estados. Outra pista foi a enxurrada de material de propaganda despejado nas ruas, ainda que os coordenadores de campanha não tenham abandonado o discurso de que os cofres nunca estiveram tão vazios.

¿ O dinheiro continua a circular por caixa dois. Isso é um fato ¿ afirma o advogado Fernando Neves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em Santa Catarina, a Polícia Federal apreendeu no fim de agosto R$2 milhões (em notas de real e dólar) na casa de Aldo Hey Neto, consultor da Secretaria estadual de Fazenda. Os agentes suspeitam que o dinheiro seria usado em campanhas eleitorais. Semana passada, em Mato Grosso do Sul, a PF encontrou R$18 mil em espécie na casa de uma assessor parlamentar do deputado estadual Jerson Domingos (PMDB), candidato à reeleição. Foram encontradas ainda listas com nomes de eleitores, telefones e números de títulos eleitorais.

No Amapá, a Justiça Eleitoral apreendeu três envelopes com R$390 e adesivos do candidato ao Senado José Sarney (PMDB) na casa de um cabo eleitoral.

Mas o caso que reacendeu a discussão é o escândalo da compra, pelo PT, de um dossiê para tentar envolver os tucanos José Serra e Geraldo Alckmin com a máfia dos sanguessugas. Para os investigadores do caso, a hipótese mais forte para a origem do R$1,7 milhão que seria usado na compra do material é a de que ele tenha sido recolhido do caixa dois de campanha de candidatos do partido no Rio e em São Paulo. O PSDB já adotou a explicação:

¿ É recurso de caixa dois, não há dúvidas disso ¿ diz o coordenador da campanha de Alckmin à Presidência, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE).

Nos últimos dias, as principais capitais brasileiras assistiram a multiplicação do material de propaganda nas ruas e a um festival de irregularidades. Em Brasília, para burlar a proibição de outdoors, candidatos alugaram caminhões e os abandonaram em pontos movimentados, repletos de faixas e cartazes.

Para especialistas em campanhas políticas, a Justiça Eleitoral dificilmente conseguirá erradicar o caixa dois.

¿ É impossível, assim como se livrar da sonegação fiscal. É possível dar mais transparência às regras e dificultar a circulação desse dinheiro, mas não acabar com o problema ¿ afirma o ex-ministro do TSE.

Para o presidente da ONG Transparência Brasil, Cláudio Webber Abramo, não há como avaliar se o caixa dois este ano foi maior ou menor do que nas eleições anteriores:

¿ É possível dizer que pouco se fez. Caixa dois se combate com fiscalização tributária, de sonegação e de fraudes, brigando contra o caixa dois empresarial e não houve avanço nisso.

¿O dinheiro desequilibra¿, diz coordenador do PDT

A campanha eleitoral também foi marcada pela desigualdade entre o poderio econômico das campanhas à Presidência. Coordenador de campanha do candidato do PDT, Cristovam Buarque, Rubem Fonseca diz que há um abismo entre as candidaturas de Cristovam e de Heloísa Helena (PSOL) em relação às de Lula e de Alckmin:

¿ O dinheiro desequilibra. A arrecadação deve ficar em torno de R$1,2 milhão, muito menos do que a arrecadação de Lula em setembro, por exemplo (R$22,6 milhões) ¿ diz Fonseca.

Mesmo mais ricas, não faltam reclamações de que as torneiras estão secas nas campanhas do PT e do PSDB:

¿ A arrecadação melhorou um pouco, mas ainda falta alguma coisa para fechar a conta ¿ queixa-se o tucano Guerra.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Marco Aurélio de Mello, disse que o caixa dois perdeu força este ano com as novas regras eleitorais, que limitaram o custo das campanhas, proibindo, entre outras coisas, a distribuição de brindes, a instalação de outdoors e a realização de showmícios. Marco Aurélio, no entanto, reconhece que ainda não foi possível acabar com a circulação de recursos não contabilizados nos comitês financeiros.

¿ Onde o homem põe a mão é possível que haja desvirtuamento ¿ diz Marco Aurélio.

O ministro admitiu a possibilidade de alterar as regras para as próximas eleições para exigir que os candidatos divulguem a lista dos doadores nas duas prestações de conta antes das eleições (este ano elas aconteceram em 6 de agosto e 6 de setembro). A legislação em vigor obriga os candidatos a divulgarem apenas os valores arrecadados e gastos.