Título: HOJE AS INSTITUIÇÕES FUNCIONAM. SINALIZAÇÃO? DE DIAS MELHORES¿
Autor: Sergio Fadul e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 01/10/2006, O País, p. 11

Presidente do TSE pede que não se vote em suspeitos de corrupção

No comando de um processo eleitoral marcado por denúncias de corrupção, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio de Mello, confia na força do eleitor para mudar este quadro. Ele diz que os primeiros culpados são os próprios partidos políticos, lenientes ao selecionar seus candidatos. Ele pede aos eleitores que não votem nos candidatos envolvidos em escândalos. E afirma ainda que o TSE não hesitará em cumprir a Constituição caso o presidente Lula seja reeleito e a investigação do tribunal sobre sua campanha conclua pela impugnação.

QUAL SUA EXPECTATIVA PARA AS ELEIÇÕES DESTE DOMINGO? MARCO AURÉLIO DE MELLO: Fomos surpreendidos por uma sucessão de escândalos e o que constatamos: hoje em dia não se escamoteia coisa alguma, tudo aflora, há divulgação pela imprensa, que goza de uma liberdade maior, as instituições funcionam, o Ministério Público e o Judiciário. Sinalização? De dias melhores.

Muita coisa veio à tona, mas não há registro de punição. O TSE permitiu a candidatura de candidatos processados.

MARCO AURÉLIO: Claro que, em época de purificação, a tendência é se querer corrigir rumos, consertar tudo, para melhorar até mesmo a vida em sociedade. E são cometidos alguns exageros nesse campo da inelegibilidade. As causas da inelegibilidade estão na Constituição e ela remeteu o acréscimo para o legislador complementar. Editou-se uma nova lei para atender a esse ditames? Não. O dia em que o Judiciário estabelecer a norma para o caso concreto e julgá-lo, teremos uma das piores ditaduras, a ditadura do Judiciário.

No TSE, esse entendimento não foi unânime. A decisão foi por quatro votos a três.

MARCO AURÉLIO: Pela clareza da matéria, deveríamos ter decisão unânime. Não deveríamos nem ter tido decisão contrária à norma legal lá no Tribunal do Rio de Janeiro. Indaga-se: nas eleições passadas (a lei é de 90, vamos considerar apenas a emenda constitucional de 94) por que não interpretaram assim? Agora, é claro que a impressão que fica ao leigo é que passamos a mão na cabeça de pessoas que não mereciam ter esse endosso. Não posso, enquanto tiver a toga sobre os ombros, esquecer que, em direito, o meio justifica o fim e não o fim o meio.

A lei deve ser aprimorada?

MARCO AURÉLIO: É muito perigoso, em época de crise, partir para uma flexibilização para ser rigoroso, consideradas as normas em vigor. Mas, é claro, seria muito fácil jogar para a turba que quer sangue, quer vísceras e, olvidando até que o chicote muda de mão, partir para o justiçamento. A opção política cabe aos deputados e senadores. Se aprovarem amanhã ou depois uma lei prevendo que o simples curso de processo-crime deságua na inelegibilidade, vamos enfrentar a lei sob o ângulo do conflito com a Constituição, no que encerra o princípio da não-culpabilidade.

O TRE do Rio agiu politicamente?

MARCO AURÉLIO: Hoje está certificado que errou. A partir do momento que a decisão foi reformada, houve a certidão de que ele claudicou na arte de julgar. Deixou de observar a ordem jurídica reinante no país para decidir considerando algo subjetivo, que é a moralidade pública. Não é por aí.

O senhor fala de cautela diante do clamor por vísceras e sangue, mas não seria legítima a pressão da sociedade com mais de cem parlamentares sob suspeita?

MARCO AURÉLIO: A mente mais criativa não poderia imaginar um décimo do que constatamos em termos de mazela. Mas, considerados as eleições e o direito posto, o que temos? Partidos políticos que não atuam como deveriam atuar, lenientes quanto à seleção de candidatos. Porque o primeiro exame de um certo nome é feito pelo partido político. Segunda coisa, o Ministério Público atuando e indeferindo e o Judiciário atuando de acordo com o figurino legal. Terceiro, o papel do eleitor. Que atuemos, que neste dia 1º de outubro digamos não a candidatos que apresentem vida pregressa duvidosa. Você contrataria como advogado alguém que está sendo acusado em diversos processos? A resposta é negativa. E por que delegar poder para ele o representar?

O Brasil é exemplo de modernidade eleitoral com o sistema informatizado, mas ainda há práticas arcaicas de voto de cabresto e malas de dinheiro. Isso vai mudar?

MARCO AURÉLIO: Se temos o corruptor, é porque existe o corrupto, porque o cidadão olvida o direito que tem. Olvida a própria cidadania, não valoriza a dignidade. Agora, tudo isso passa pelo avanço cultural. E o avanço cultural pressupõe educação. O Judiciário só age quando provocado. Tem fiscais? Não. Mas surgem os interesses antagônicos. Que candidatos prejudicados denunciem. Alguém pode ter o registro cassado por abuso do poder econômico, do uso da autoridade, e do uso dos meios de comunicação. Se a representação é julgada antes da eleição, é cassado o registro. Se depois surge um quadro novo, o quadro revelado pela diplomação e, às vezes, até a posse, se acolhida a representação pelo abuso, cabe enviar peças ao Ministério Público para entrar com ação de impugnação do mandato.

O TSE abriu investigação eleitoral sobre a candidatura do presidente Lula.

MARCO AURÉLIO: Sim, o que não se mostra algo desejável. O melhor seria termos aí, dando exemplo, um perfil inatacável. Mas existe a representação a demonstrar que se pode claudicar, porque se pressupõe que tenha claudicado, porque é crime entrar com representação já se sabendo inverídicas as causas de pedir.