Título: ALCKMIN, ENTRE A MEDITAÇÃO E O ESFORÇO PARA SUBIR 1, 2, 3...
Autor: Chico Otavio
Fonte: O Globo, 01/10/2006, O País, p. 18

Para acalmar a mente na semana decisiva, tucano repete números e joga Sudoku com a mesma sutileza numérica que pode determinar se a eleição vai ou não para o 2º turno

Um, dois, três. Um, dois, três. A menos de 48 horas da eleição mais importante de sua vida, Geraldo Alckmin ensina a meditar. Ele fecha os olhos, se ajeita na poltrona, esboça uma posição de lótus e entoa o mantra numérico, o mais simples dos muitos que conhece. Explica que precisa ser repetido várias vezes até ¿limpar o cérebro¿. Enquanto isso, o jatinho inicia a aproximação do aeroporto de Uberlândia, em Minas, onde o governador Aécio Neves e o ex-presidente Itamar Franco o aguardam na beira da pista.

Um, dois, três... Assim como o mantra de Alckmin ou a grade do Sudoku, jogo de cruzadas numéricas que encanta o candidato, essa pode ser a diferença que decidirá se a eleição vai ou não para o segundo turno. A vida do tucano, na última semana de campanha, girou em torno de números assim, de pequenas diferenças.

No vôo de sexta-feira para o Triângulo Mineiro, Alckmin não conseguiu fazer um Sudoku (em japonês, significa número único e consiste em preencher uma grade de 81 espaços com números de 1 a 9, sem repetir os algarismos). Depois de ler os jornais do dia e consultar os blogs do prefeito Cesar Maia e do jornalista Ricardo Noblat, ele mergulha num de seus assuntos prediletos: a receita ideal para viver bem. O candidato faz questão de ditar os nove mandamentos de sua receita de saúde, nos quais a meditação é um dos itens centrais.

¿ O homem precisa de luz solar. Dormir cedo e acordar cedo. Deixar a janela aberta para os primeiros raios de sol entrarem na retina e irem ao cérebro emocional ¿ começa a enumerar os oito pontos.

Gestos contidos, frases calculadas

Na reta final da campanha que levou o tucano aos 26 estados e à capital federal, Alckmin se mantém fiel ao estilo que marca sua carreira desde os primeiros passos, em 1976, quando se elegeu prefeito de Pindamonhangaba. É um sujeito simples, de gestos contidos e voz baixa. Não é afeito a frases de efeito ou tiradas espontâneas. Quando está tenso, o máximo que faz é morder os lábios repetidas vezes.

Se fala da campanha, cada frase é calculada e pouco reveladora. Aliás, ele é assim com quase todos os assuntos. Provocado a fazer um balanço sobre a experiência de quatro meses de disputa presidencial, cita apenas um erro: ¿Poderia ter usado mais as rádios¿. Mas logo seus olhos brilham de felicidade ao citar ¿um tesouro¿ que está montando na sua caminhada pelo país:

¿ Ganhei mais de 50 terços, além de santinhos, imagens, água benta e outros presentes de pessoas com muita fé. Guardo tudo.

Alckmin é ¿Geraldo¿ na propaganda eleitoral. Mas, de todo a sua equipe de campanha, apenas duas pessoas o tratam pelo prenome. Os demais o chamam de governador ou de doutor Geraldo ¿ o candidato é médico anestesista. Ele próprio usa o ¿doutor¿ quando se refere ao contato nas ruas:

¿ O que mais ouço é ¿bate, doutor¿.

A derradeira semana no ninho

Nos primeiros dias da semana derradeira, a agenda de Alckmin ficou praticamente circunscrita à Grande São Paulo. De segunda a quarta, só saiu uma vez para dar uma entrevista à imprensa estrangeira no Rio de Janeiro. Seus assessores se esforçam em explicar. Cansaço, vontade de ficar perto da família, estratégia eleitoral. Não há uma lógica a reger os passos do candidato. A única preocupação é garantir, todo dia, pelo menos um evento que ¿gere mídia¿.

O ato pela ética no Clube Espéria, perto do Rio Tietê, reúne pouco mais de três mil pessoas na segunda-feira. Mais do que a presença do público, é no palanque que está a novidade. Fato raro na campanha, Alckmin exibe força ao dividir as atenções com algumas das estrelas do tucanato ¿ Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Tasso Jereissati ¿ e dirigentes do PFL ¿ Jorge Bornhausen e Cesar Maia. Fernando Henrique empolga a assistência ao comparar Lula ao demônio.

No início do mês, o ex-presidente havia causado mal-estar no QG de Alckmin ao divulgar carta aberta, na qual manifestara descontentamento com o ritmo e o tom da campanha. O ex-presidente cobrou: ¿Nosso candidato à Presidência tem as mãos limpas. Tem história de seriedade. Por que não bradar isso com força?¿.

Indagado sobre a participação de Fernando Henrique na campanha, Alckmin morde os lábios. Prefere fazer um histórico sobre a própria carreira no PSDB e aponta como padrinhos os ex-governadores paulistas Franco Montoro e Mario Covas. Abre a pasta e exibe, orgulhoso, a ata de fundação do partido. Seu nome é o sétimo da lista.

Diz que disputou uma vaga na Câmara dos Deputados, em 1986, convencido por Montoro. A ligação com Covas viria mais tarde, já na Constituinte. Sua atuação levou Alckmin a assumir a Presidência do PSDB em São Paulo. Com a vitória de 49 prefeitos tucanos em 1992, ele ganhou força para compor, como vice, a chapa que elegeria Covas governador paulista em 1994. Foram seis anos de convívio até a morte do governador, em 2001 ¿ no ano seguinte, Alckmin seria eleito com mais de 12 milhões de votos para ocupar o Palácio dos Bandeirantes.

¿ Conviver com ele foi um privilégio. Covas tinha a sensibilidade de quem foi preso e cassado. Tinha coragem e visão de estadista, ao mesmo tempo que era um administrador de mão cheia. Fiz um superintensivo com ele.

Sobre Fernando Henrique, contudo, poucas palavras. ¿É uma grande referência¿, comenta, ao afirmar que não deixara sem resposta ataques ao governo FH surgidos no debate da TV Globo. Mas Alckmin emenda o comentário com uma frase curiosa. Dá a impressão de falar de Lula.

¿ Política é uma corrida de bastão. Cada um cumpre a sua etapa e passa o bastão para o outro. Lula já teve a chance.

`Visão serena do processo¿

No Instituto Teotônio Vilela, um conjunto de quatro salas onde Alckmin trabalha, a batalha dos votos parece uma realidade distante. Na terça-feira, enquanto dava a entrevista aos correspondentes internacionais no Rio, um de seus assessores, entre um bocejo e outro, jogava paciência no computador. O escritório, alegam os integrantes de sua equipe, reflete o estilo calmo do próprio candidato.

¿ Alckmin tem uma visão serena do processo. Política não é apenas ciência e arte. É também virtude. Não estamos numa guerra de vida ou morte ¿ diz João Carlos Meirelles, coordenador do programa de governo.

Ex-secretário do governo Alckmin, ele reclama da falta de animação nas ruas.

¿ Quem circula por São Paulo não acredita que vai ter eleição no domingo.

Nas ruas e na mídia, Alckmin não se mostra tão sereno assim. Cada vez que é confrontado com microfones, como na tarde com a imprensa estrangeira, e ao ser entrevistado, já em São Paulo, pela TV Record, ele atende ao apelo que diz ter recebido dos eleitores. E bate em Lula:

¿ Talvez uma das piores coisas que já aconteceu na política brasileira foi o PT ter roubado a esperança do povo. Houve muita esperança. E a gente sente na rua um enorme desencanto. Daí a nossa tarefa hercúlea de dizer: há esperança. O PT dizia que era diferente de tudo o que estava aí.

A agenda discreta mantém o táxi de Arlindo Gomes da Silva, 58 anos, na garagem. Policial militar aposentado, ele é o motorista do candidato desde abril. Conduzir políticos é uma especialidade do motorista, que por 18 anos serviu a Covas. Sua explicação para o trabalho é interessante: o medo da violência:

¿ Além de poder circular nos corredores (vias exclusivas para ônibus e táxis no congestionado trânsito de São Paulo), é mais seguro. Ninguém imagina que meu táxi carrega um candidato a presidente da República.

Na quarta-feira, depois de uma passada rápida pelo instituto, Alckmin finalmente vai às ruas. Ele é cercado por correligionários em Carapicuíba, cidade-dormitório de 248 mil eleitores e reduto tucano na Região Oeste da Grande São Paulo. Braz Paschoalin, ex-prefeito de Jandira, cidade vizinha, enumera as obras do ex-governador Alckmin na cidade visitada:

¿ Ele fez o corredor Oeste, o calçadão, e trouxe a Faetec (Fundação de Apoio a Escola Técnica) para cá.

A caminhada pelo mesmo calçadão rende imagens de Alckmin cercado pelo povo. Na quinta-feira, dia do debate, o candidato praticamente nada faz. Limita-se a tomar água de coco (de caixinha) no calçadão da Praia de Copacabana, no Rio, ao lado da candidata a governadora Denise Frossard.

Tentativa de atrair Gabeira

Enquanto se prepara, aliados negociam o apoio do deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ). Ele aposta nisso. Quer, com ele, fortalecer a idéia de uma candidatura preocupada em dar um choque de ética na nação. Mas, até a noite de sexta-feira, nada é acertado. Gabeira refuta a tentativa.

Chega sexta-feira e Alckmin acorda de bom humor, convencido de que Lula cometera um erro grave ao faltar ao debate. Ao posar para uma foto ao lado da mulher, dona Lu, e a filha, Sophia, uma brincadeira:

¿ Está faltando um furo no meu cinto.

Depois, ao apresentar a filha, repete uma frase carinhosa, que mostra a importância de Sophia na campanha.

¿ Ela é minha secretária do bem-estar pessoal. Me dá chocolate, providencia o protetor solar e outros cuidados.

Alckmin segue para o Aeroporto Santos Dumond, onde embarcaria para Uberlândia. No caminho, se preocupa em saber o que é permitido pela Justiça Eleitoral, sinal de que quer estar na rua até a votação. Já no avião, o candidato muda de assunto. Fala de saúde. Já não é o candidato, mas o doutor Geraldo, médico.

¿ Os cardiologistas já não usam a massa corpórea como uma precondição para doenças do coração. Eles levam em conta, agora, o tamanho da barriga.