Título: A PECULIAR LÓGICA DA CAMPANHA ELEITORAL NO RIO
Autor: Maia Menezes
Fonte: O Globo, 01/10/2006, O País, p. 25

Candidato do governo parece de oposição; evangélico é ungido pelo PT; e aliados nacionais trocam farpas cotidianas na disputa regional

Sérgio Cabral (PMDB), candidato da continuidade, fez discurso de oposição. O evangélico Crivella (PRB) foi chamado de ¿governador¿ pelo presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva, de quem se tornou amigo de infância. Tratamento diferente do que foi dado ao candidato petista: Vladimir Palmeira, em comício no mesmo dia, no Rio, recebeu um afago de consolação e foi tratado como ¿companheiro¿ por Lula. O tucano Eduardo Paes e a candidata do PPS, Denise Frossard ¿ aliada do PFL no estado ¿ passaram grande parte do tempo trocando farpas, na contramão da opção nacional. Esse foi o jeitinho fluminense de conduzir a disputa para o Palácio Guanabara: uma campanha de antíteses.

Cabral e Crivella: algo em comum

Adversários que polarizaram o embate até o começo de setembro, Cabral e Crivella tinham uma intenção em comum: a de reconstruir suas imagens, ofuscando, quando interessava, alianças e parcerias desconfortáveis.

O peemedebista driblou o casal Garotinho, apesar de ter trocado juras de fidelidade com os padrinhos políticos no lançamento de sua candidatura. Seu candidato a vice, Luiz Fernando Pezão, enquanto isso, ajudava a manter sem fissuras o mapa político do estado ¿ desenhado por Garotinho, em seu mandato como governador ¿ que inclui o apoio de cerca de 60 prefeitos. Pezão, que já foi presidente da Associação de Prefeitos dos Municípios do Estado, assumiu, no governo Rosinha, o papel de interlocutor com os prefeitos.

Marcelo Crivella (PRB) tentou desconstruir o perfil evangélico. A idéia era atrair a simpatia do eleitor que o rejeitava. Até a pesquisa Ibope divulgada no dia 21, o esforço foi inócuo: o candidato, que pediu licença do posto de bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, aparecia com 24% de rejeição ¿ a mais alta entre os adversários. Na nova fase, Crivella, que seduz um eleitorado conservador, usou até um homem nu em seu programa eleitoral. A intenção era ilustrar uma cena de assalto no Rio.

O trunfo do candidato do PRB ao governo foi o presidente Lula. Cabo eleitoral de primeira hora, o petista participou de quatro comícios de Crivella e chegou a gravar participação no horário eleitoral gratuito do PRB. O limitado tempo de TV ¿ 36 segundos ¿ do bispo licenciado da Igreja Universal, no entanto, não foi suficiente para atrair para si todo o potencial de votos do presidente.

A oposição mais aguerrida à administração Rosinha Garotinho chegou dividida à campanha. A possibilidade de um acordo foi sepultada de vez em junho, com a decisão do prefeito Cesar Maia (PFL) de apoiar a candidatura da deputada federal Denise Frossard. O PSDB, amuado, escolheu como candidato o deputado federal Eduardo Paes, ex-pupilo de Cesar. Tucanos e pefelistas, aliados nacionalmente em torno da candidatura de Geraldo Alckmin à Presidência da República, passaram a campanha às rusgas.

Frossard, juíza aposentada, foi campeã no quesito polêmica. Inaugurou a temporada mesmo antes da campanha. No relatório de um projeto de lei, ainda não votado pela Câmara, que estabelece como crime a discriminação a doentes e portadores de deficiência, escreveu: ¿A deformidade física fere o senso estético do ser humano (...) Ninguém pode ser obrigado a suportar a doença e a deformidade alheia¿.

Pouco antes do início oficial da campanha eleitoral, nova polêmica: ela afirmou que, por não se sentir segura, não subiria em favelas como candidata. Para contornar as reações que o comentário causou, Frossard escolheu o morro da Providência como primeira agenda de campanha. Ela foi ao local escoltada pelo coronel Venâncio Moura, ex-comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope).

Crivella subiu, mas obedeceu às imposições do tráfico de drogas, na favela do Jacarezinho: orientou os jornalistas que o acompanhavam a não entrarem na comunidade, por determinação dos traficantes.

Eleição limpa, ao menos nas ruas

A fiscalização do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) também atendeu à lógica da incongruência. A poluição visual, que passou longe das calçadas da Zona Sul do Rio, tomou conta da paisagem nas favelas.

No asfalto, a eleição foi limpa. Os limites impostos pela legislação eleitoral tiraram das ruas as cores e sons da campanha. A proibição dos showmícios afastou público dos eventos políticos, mantidos pela fidelidade de cabos eleitorais pagos pelos partidos políticos.

A transparência, palavra da moda, foi defendida por todos os candidatos. Nenhum, no entanto, a aplicou plenamente. Os concorrentes tratam com sigilo os nomes dos doadores de suas campanhas.