Título: IDOSOS LOTAM EMERGÊNCIAS
Autor: Selma Schmidt
Fonte: O Globo, 01/10/2006, Rio, p. 36

Pesquisa mostra que, em dez hospitais públicos, pacientes com mais de 60 anos são maioria

Ao lado de 37 idosos e dois homens com menos de 60 anos, o camelô Wallace dos Santos, de 36 anos, contava as horas para poder deixar a cama que ocupava na sala branca masculina, da emergência do Hospital estadual Getúlio Vargas, na Penha, na manhã de terça-feira passada. Na sala branca feminina da mesma unidade, das 30 doentes, 27 eram idosas.

¿ Parece uma praça de guerra. Olho para um lado e vejo idosos à beira da morte. Olho para o outro e vejo mais idosos morrendo. É o caos ¿ lamentou Wallace, que se recuperava de um infarto.

A desativação, a partir de 1996, de 3.702 leitos de cuidados prolongados (destinados a doentes fora de possibilidade terapêutica) e as deficiências da rede básica de saúde são consideradas, por médicos, as principais causas para as emergências estarem superlotadas de idosos no Rio.

Em pesquisa feita semana passada, nos dez principais hospitais municipais e estaduais do Rio, o presidente da Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores, Carlos Eduardo (sem partido), constatou que os pacientes acima de 60 anos eram a maioria nos leitos de emergência dessas unidades. Nesses leitos, os doentes não deveriam passar mais de 48 horas, após receberem o primeiro atendimento. Nas emergências pesquisadas, havia 405 doentes, sendo 302 idosos ¿ alguns em corredores, macas sem lençol, cadeiras e no chão.

¿ É a ¿geriatrização¿ das emergências ¿ disse Carlos Eduardo, que convocará uma audiência pública na Câmara para discutir o assunto e apresentará denúncia ao Ministério Público estadual e à Primeira Vara da Infância, da Juventude e do Idoso.

Número de leitos cai de 4.686 para 984

A coordenadora do Núcleo Hospitalar de Geriatria e Gerontologia do estado, Ione da Costa, confirmou que, nos hospitais estaduais, em média, 70% dos leitos de emergência são ocupados por idosos. O núcleo começou a ser implantado em 2001 e, atualmente, funciona nos hospitais Getúlio Vargas, Pedro II e Albert Schweitzer, onde equipes interdisciplinares atendem a egressos dessas unidades.

¿ Pretendemos ampliar as equipes e passar a fazer atendimento domiciliar ¿ contou Ione.

Já a Secretaria municipal de Saúde informou que está ampliando o Serviço de Atendimento Domiciliar e que está criando o Programa de Atenção Básica à Saúde do Idoso.

Segundo dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS, em janeiro de 1996, havia 4.686 leitos de cuidados prologados conveniados em clínicas e hospitais do Rio. O número desses leitos ¿ destinados especialmente a idosos, que precisam de ajuda para fazer sua higiene, alimentar-se e tomar remédios ¿ caiu para 984, em janeiro deste ano.

¿ Depois do caso da Clínica Santa Genoveva (onde morreram 102 idosos em 1996), o município do Rio, gestor do SUS até 2005, iniciou um processo de desativação de leitos de cuidados prolongados. O correto não é acabar com esses leitos, mas melhorá-los ¿ observou Carlos Eduardo.

Segundo a Secretaria municipal de Saúde, a desativação de leitos de cuidados prolongados deveu-se a uma portaria do Ministério da Saúde, de 1998, que determinava o fechamento de lugares que não atendiam aos requisitos mínimos para um atendimento de qualidade.

No Getúlio Vargas, na terça-feira de manhã, uma médica lamentava, na sala branca de homens:

¿ Tenho seis idosos para transferir, mas só consegui uma vaga.

Francisco Santos Vieira, de 77 anos, era um dos 40 pacientes da sala branca masculina do Getúlio Vargas, com capacidade para receber a metade dos doentes. Francisco cobria o rosto para tentar descansar, já que a luz da sala fica acesa dia e noite.

Numa cama próxima, estava Alipe Felipe, de 93 anos, cego há dez e hipertenso. Desnutrido e desidratado, ele era alimentado por uma sonda gástrica. Desde 15 de julho, Alipe ocupa um leito na emergência:

¿ Ele não tem como ficar em casa, se recusa a comer. Nós fazemos o possível. Vamos sempre ao Getúlio Vargas, para ajudar a cuidar dele ¿ contou a nora Ana Maria Ferreira.

O vereador Carlos Eduardo lembrou as dificuldades que as famílias têm para manter idosos em casa:

¿ É preciso ter recursos. Os idosos têm de três a cinco doenças e dependem de medicamentos. Muitos exigem cuidados 24 horas por dia.

O presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze, acrescentou que o problema da superlotação das emergências por idosos decorre da falência do sistema de saúde:

¿ Os idosos não são acompanhados em ambulatórios da rede básica, que não têm remédios nem atendimento adequado. Com isso, as doenças evoluem e eles acabam nas emergências. Um idoso, por exemplo, que não cuida da hipertensão, acaba tendo um acidente vascular cerebral.

Neurocirurgião do Hospital Miguel Couto e diretor da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, Ruy Monteiro chamou a atenção para o que acontece nas emergências:

¿ Sem vaga para transferir o idoso para um local em que possa ser tratado, ele entra com uma doença e adquire outras nas emergências. Como esses setores estão superlotados, um paciente fica ao lado do outro. É uma promiscuidade.

Único hospital público para atender só idosos no Rio, o Instituto municipal de Geriatria e Gerontologia Miguel Pedro, em Vila Isabel, é de difícil acesso e tem movimento pequeno. Aqueles que não chegam de ambulância ou carro têm de caminhar 150 metros por uma ladeira de paralelepípedos. Os que optam por subir a escadaria da frente do prédio têm de enfrentar ainda 37 degraus. Pela lateral, também não se livram dos degraus, embora em número menor.

Diretora do instituto, Mara Semiramis Silveira pediu à Secretaria municipal de Saúde que sejam providenciados um calçamento mais adequado para a ladeira de acesso e a substituição das escadas por rampa. O movimento no ambulatório do instituto é pequeno: de 50 a 60 pacientes por dia. Para internação, o hospital, que não tem centro cirúrgico, conta com 39 leitos de clínica médica e geriatria. Vinte devem se transformar em leitos de cuidados prolongados.