Título: PACOTES HABITACIONAIS DEIXAM BAIXA RENDA DE FORA
Autor: Eliane Oliveira e Martha Beck
Fonte: O Globo, 01/10/2006, Economia, p. 0

Segundo representantes do setor, pelo menos 6,8 milhões de famílias sem moradia não serão beneficiadas por medidas do governo

BRASÍLIA. As medidas de apoio ao setor imobiliário que vêm sendo anunciadas pelo governo desde 2004 são bem-vindas, mas não resolvem o problema do déficit habitacional, estimado em cerca de 8 milhões de unidades, na avaliação de construtoras e mutuários. De acordo com a Câmara Brasileira da Construção Civil (CBIC), o impacto seria de até 6% desse total, ou seja, os pacotes beneficiariam apenas 480 mil famílias. Já a Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH) acredita que 85% desse universo, ou seja, 6,8 milhões de famílias, ficariam de fora.

¿ As medidas são importantes, mas não resolverão todos os problemas. O déficit habitacional está concentrado na população de baixa renda ¿ afirmou o vice-presidente da CBIC, José Carlos Martins.

O último pacote, anunciado pelo governo no dia 12 de setembro, entre outras medidas, permitiu a retirada da correção pela Taxa Referencial de Juros (TR) dos financiamentos habitacionais e estendeu para o setor o crédito consignado (com desconto em folha). O governo deu ainda a opção de os bancos cobrarem juros de 12% mais uma TR congelada, divulgada mensalmente pelo Banco Central. Nesse caso, a prestação também será fixa: a TR ¿travada¿ dependerá do mês em que o cliente fechar o financiamento, mas vai vigorar ao longo de todo o contrato.

Classe média é a única contemplada, diz entidade

As medidas incluíram ainda a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para materiais de construção. José Carlos Martins, da CBIC, elogia o pacote, assim como a implementação, em 2004, de medidas que deram mais segurança às transações ¿ caso do patrimônio de afetação, que separa o terreno e o prédio construído do patrimônio total da construtora, o que impede que os bens entrem como garantia de dívidas e obrigações vinculadas à empresa. Mas frisou que tudo isso vai beneficiar exclusivamente a classe média.

¿ É preciso produção em escala de moradias de interesse social ¿ disse Martins.

O consultor jurídico da ABMH, Rodrigo Daniel dos Santos, concorda que a classe média será de fato a grande beneficiada pelas medidas, que ele chamou de eleitoreiras. Em sua opinião, só terão efeito imediato a redução do IPI ¿ embora, afirma, não haja garantia de que a queda do imposto será repassada aos preços para o consumidor ¿ e o enquadramento das construtoras no sistema simplificado de recolhimento de tributos, o Simples.

¿ Vemos com bastante reserva o desconto em folha para o crédito habitacional. Acreditamos que a medida causará um alto nível de endividamento, tal como ocorreu com os aposentados no crédito consignado ¿ disse o consultor jurídico.

Governo diz que investiu R$27 bilhões no setor

Ele afirmou que a desvinculação da TR dos contratos ainda desperta dúvidas. Com taxas prefixadas, os bancos podem superestimar o valor das prestações. Santos explicou que, se os juros caírem, as instituições financeiras ganharão. Se subirem, não perderão muito.

¿ Se o governo quisesse fazer coisas concretas, reduziria o juro habitacional, hoje em 12% ao ano ¿ afirmou Santos.

De acordo com o Ministério das Cidades, no período de 2003 a julho de 2006, foram investidos R$27 bilhões no setor, beneficiando 1,7 milhão de famílias. O órgão argumentou que 72% dos recursos se concentraram em mutuários de até cinco salários mínimos, classificados como de baixa renda. Para 2006, o ministério espera que o setor movimente mais de R$19 bilhões, entre recursos públicos e privados.

Ainda segundo o ministério, o total de recursos liberados pelas instituições financeiras que operam o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) deve alcançar R$8,7 bilhões este ano, o que representa aumento de quase 100% em relação às operações realizadas em 2005. Dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) mostram que, este ano, até julho, foram financiadas mais de 60 mil unidades no país. No período de 12 meses, o número supera 90 mil moradias