Título: Estamos com o Papa
Autor: DOM FILIPPO SANTORO
Fonte: O Globo, 30/09/2006, Opinião, p. 7

Diante da polêmica destes dias sobre as palavras do Papa, queremos simplesmente dizer que estamos com ele.

A Igreja está sendo atacada de fora por aqueles que sempre lutaram contra ela, mas também por aqueles que à história da Igreja devem o patrimônio de liberdade e de valores que agora possuem. É atacada pelos jornais americanos e pelos inimigos dos americanos. É atacada pelos risinhos complacentes de pequenos intelectuais que, sem terem lido o texto, dizem: "O Papa não devia exagerar." Parece que estavam esperando a hora para atacar essa personalidade que dialoga com Habermas e Küng, com judeus e muçulmanos e acolhe a todos com grande cordialidade.

A Igreja é atacada não por problemas teológicos ou morais, mas simplesmente porque defende a razão. Não se trata de matéria que tem a ver com a infalibilidade do Papa. O núcleo do seu discurso foi de que a fé é aliada da razão e não da violência. Lendo por inteiro, o discurso parece claro que esta é a tese fundamental, além da citação daquele texto tardo-medieval que podia se prestar a várias interpretações. O conjunto do discurso, porém, oferece uma única interpretação: a defesa da razão. Por isso, o Papa pode simplesmente manifestar o seu profundo pesar pelo fato de os muçulmanos se sentirem ofendidos, mas o seu objetivo era abrir uma reflexão e um grande diálogo entre fé e razão.

O Papa, acusando o uso da violência ligada à religião, prestava a maior homenagem a Deus e à razão humana. E também à liberdade, porque a fé não pode ser imposta pela violência. Neste campo, a Igreja católica já reconheceu as suas culpas, mesmo que até agora não tenhamos ouvido outra religião ou confissão cristã admitir os seus erros. Por isso, o pronunciamento pontifício deveria ser saudado por todos aqueles que amam a dignidade e os direitos humanos. O Papa, homem de fé, defendeu a razão e a liberdade. Afirmou claramente: "A fé mediante a violência é algo irracional... Não atuar segundo a razão é contrário à natureza de Deus." Revelam-se assim fora de lugar tanto as posições preconceituosas de certos expoentes islâmicos quanto a indiferença e a superficialidade de muitos comentaristas ocidentais.

O que o Papa critica com veemência é o secularismo do Ocidente que, em muitas expressões, quer eliminar a presença de Deus da vida concreta da pessoa e da sociedade, considerando as religiões apenas fonte de fanatismo e de violência.

Estamos diante de um convite a aprofundar o diálogo com a cultura moderna e com as grandes religiões, inclusive o Islã. É isso que cada pessoa de boa vontade deseja.

DOM FILIPPO SANTORO é bispo de Petrópolis.