Título: Na arena, candidatos brincam com cadeira vazia
Autor: Lydia Medeiros e Paula Autran
Fonte: O Globo, 30/09/2006, O País, p. 17

Antes do debate na TV Globo, produção precisou arrumar escova de dentes para Alckmin e gravata para Cristovam

Fazia frio no estúdio F do Projac, da TV Globo, quando Cristovam Buarque (PDT), Heloísa Helena (PSOL) e Geraldo Alckmin (PSDB) entraram na arena do último debate da campanha à Presidência. Sem poder contar com o calor de um confronto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, restou aos candidatos explorar a ausência do petista com palavras duras para tentar evitar que o encontro fosse morno. Antes de as imagens irem ao ar, eles até se divertiram com a cadeira vazia enquanto posavam para os fotógrafos. O candidato do PDT deu tapinhas na placa com o nome de Lula, como se o cumprimentasse. E chegou a colocá-la sobre a cadeira reservada ao adversário - rapidamente retirada pela TV Globo.

- À esquerda, senadora - pediam os fotógrafos a Heloísa (que lutava contra uma blusa branca que teimava em subir, deixando uma nesga de barriga de fora), para que ela deixasse a cadeira de Lula a vista.

- A esquerda é comigo mesmo - brincou ela.

Alckmin: ' O nosso pessoal queria mais sangue'

Antes da entrada no estúdio, a produção precisou resolver dois problemas. Alckmin - o último a chegar ao Projac, de helicóptero - queria uma escova de dentes. A equipe da Globo teve que correr para uma farmácia. Cristovam - o primeiro a chegar - também precisou de socorro. Escolhera uma gravata azul, a mesma cor do terno e da camisa. Precisava de contraste.

- Trocaram por uma vermelha. A cor do PDT - contou o candidato do partido ao governo do estado, Carlos Lupi.

Pouco antes do início, o apresentador e mediador do debate, William Bonner, dava instruções aos candidatos, indicando as câmeras que os focalizariam:

- Senador Cristovam, a sua é aquela com o teleprompter.

- Então avisa que não tem nada escrito! - pediu o candidato, rindo.

Bonner explicou à platéia a dura lei do silêncio que deveria imperar no estúdio. À esquerda, ficavam os convidados de Heloísa e Cristovam. A direita estava reservada aos de Alckmin e de Lula. O espaço petista estava vazio quando Milton Temer (PSOL) tentou ocupá-lo. Mas desistiu quando tucanos como os senadores Tasso Jereissati e Sérgio Guerra foram se aboletando no lugar dos petistas.

- Desencarna! - gritava o deputado Chico Alencar (PSOL) para Temer.

A família Alckmin chegou ao estilo do candidato, discretamente. Dona Lu, num trenchcoat cáqui, veio com os filhos, Geraldo, Thomaz e Sophia.

Em clima de concentração, todos aguardavam o término da novela "Páginas da Vida" para entrar no ar. Mas o depoimento que encerra o folhetim provocou uma cena insólita. O silêncio absoluto foi cortado pela história de um homossexual que contava seu drama: "Eu não queria ser gay. Eu queria ser convencional, normal".

O duelo começa. Alckmin foi mais brando que esperavam os aliados presentes.

- Esperava frases mais duras - avaliou o governador de São Paulo, Cláudio Lembo.

Ao fim do debate, Alckmin admitiu ter falhado ao desperdiçar a chance de fazer uma pergunta a Lula sobre corrupção.

- É que eu esqueci o negócio dos 40 segundos, não deu tempo - explicou. - Nosso pessoal queria mais sangue.

O tucano explicou porque não atacou o adversário:

- Quando a gente erra por menos, não tem problema. O problema é passar do ponto. Tem a turma que é fanática e quer que xingue a mãe, o pai , o filho. Mas esse já é do time. Agora, o eleitor que você precisa conquistar, que está meio em dúvida e tal, você também não pode bater demais.

Mas até o marqueteiro do tucano, Luiz González, reconheceu a falha na atuação de Alckmin. No entanto, se disse satisfeito com o cliente:

- Ele foi muito bem, no estilo dele.

O candidato a vice na chapa de Alckmin, senador José Jorge, preferiu não arriscar:

- Vou ligar para minha mulher. A cabeça dela é mais parecida com a do eleitor comum que a minha.

Audiência alta, mesmo sem Lula

A ausência do presidente Lula no debate da Rede Globo parece não ter esvaziado o interesse do eleitor pelo programa. Segundo a emissora, a média de audiência foi de 31 pontos e 51 de share, ou seja, de cada cem aparelhos de televisão, 51 estavam ligados na Rede Globo na hora do debate, que começou às 22h34m e terminou à 0h25m.

A média de audiência deste debate foi a mesma do promovido pela emissora em 2002, que durou meia hora a mais (começou às 22h04m e terminou no mesmo horário do debate de anteontem) e teve 50 de share.

Naquele ano, o petista compareceu ao encontro com José Serra (PSDB), Anthony Garotinho (na época no PSB) e Ciro Gomes (que estava no PPS). E errou ao tentar responder a uma pegadinha de Garotinho sobre a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). O tributo, que o candidato desconhecia na época, era um dos grandes aliados do governo federal para cumprir a meta do superávit primário daquele ano.