Título: NEM CRÉDITO DÁ FORÇA AO VAREJO
Autor: Patrícia Duarte
Fonte: O Globo, 30/09/2006, Economia, p. 39
Com consumidor endividado e avanço pífio do PIB, lojas demitem e revêem investimento
O desempenho pífio da economia brasileira no segundo trimestre, quando cresceu apenas 0,5%, está levando o varejo brasileiro a esperar um aumento menor nas vendas neste ano e a anunciar até mesmo demissões em grandes redes, além de mudanças de planos de investimentos. Nem mesmo a oferta de crédito crescente, apontam os especialistas, terá força suficiente para assegurar expansão maior, porque os consumidores já estão chegando a um limite de endividamento e, assim, mostram-se mais cautelosos na hora de fazer um carnê.
- É difícil entender o que está acontecendo. A renda e o emprego estão crescendo, mas há setores da indústria, como o têxtil e o de calçados, que estão demitindo. Isso pesa. Além disso, as pessoas se endividaram mais - avalia o economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Marcel Solimeo, acrescentando que revisou a expectativa de crescimento do setor para este ano, de 5% a 6% para 4% a 5%, "mais para 4%".
Para ele, esse movimento fará com que o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas produzidas pelo país) cresça quase 0,5 ponto a menos neste ano, para algo próximo a 3%. O número é bem menor do que os 4% esperados, por enquanto, pelo governo - o Banco Central (BC) já reduziu sua previsão para 3,5%.
Emblemática pela agressividade na abertura de lojas e na publicidade, a rede Casas Bahia teve de rever seus planos de expansão e, pela primeira vez em dez anos, anunciar forte corte de funcionários: dois mil até o fim do ano. O diretor-executivo da empresa, Michael Klein, argumenta que há perda de renda sobretudo na Região Sul, com consumidores ligados à agricultura e a segmentos da indústria que sofrem para crescer devido ao câmbio valorizado, como o de calçados.
Casas Bahia: receita estagnada em 2007
Além disso, a corrida pelo crédito consignado acabou limitando o poder de compra das pessoas que, por causa do desconto em folha de pagamento, acabam com menos dinheiro na hora de receber os salários.
- Dos 54 mil empregados que temos, 18 mil (um terço) têm crédito consignado - afirma Klein.
No início do ano, a expectativa da Casas Bahia era aumentar o faturamento em cerca de 17%, para R$13,5 bilhões, mas a rede deve fechar 2006 com R$12 bilhões, "se tudo der certo". A cifra representa R$500 milhões a mais do que em 2005. Não por menos, explicou o diretor, os planos de abrir cem lojas este ano acabou sendo dividido: serão 50 unidades em 2006 e outras 50 em 2007. Para o ano que vem, por enquanto, as projeções são de crescimento zero no faturamento.
Passados o Dia das Mães e a Copa do Mundo, o comércio começou a perder força. De acordo com o IBGE, em julho (último dado disponível), o volume de vendas do setor caiu 0,45% em relação ao mês anterior. Um dos segmentos que mais sofreram foi justamente o de móveis e eletrodomésticos, com queda de 2,65% no período.
- Há uma conduta mais prudente na hora de consumir - avalia o presidente do Conselho de Políticas Econômicas da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), Marcílio Marques Moreira.
O pintor Valdervan Marques da Silva, que tem renda mensal de mil reais, está pensando duas vezes para financiar a compra de seu home theatre. Ele ainda tem um carnê para pagar um aparelho de DVD, com 12 prestações mensais de R$34,76, e quer demorar mais um pouco para fazer uma nova dívida. Para ele, o ideal é esperar até o fim do ano, quando as lojas entram em promoção depois do Natal. Por enquanto, ele só pesquisa preços:
- Tenho de pensar muito para comprar. As prestações estão muito caras e não quero perder o controle.
Os consumidores não estão deixando apenas de comprar bens de consumo duráveis, mas também alimentos, ou pelo menos buscando alternativas mais em conta. O presidente da Associação Brasileira dos Supermercados (Abras), João Carlos de Oliveira, alerta para o fato de as vendas chamadas "de impulso", geralmente de produtos que não são de primeira necessidade, vêm caindo nos últimos meses. Prova disso é que a expectativa de crescimento de 3% para o setor este ano está sendo diminuída para 1,5%, em um cenário considerado otimista. No ano passado, os supermercados brasileiros movimentaram R$110 bilhões.
- O próximo ano ainda é um mistério. Vamos torcer para que ele não seja pior do que este - afirmou Oliveira.
As vendas de fim ano podem trazer algum alívio e garantir que o faturamento do varejo não seja menor ainda. Solimeo, da ACSP, acredita em expansão de 4% para esse período, o que não considera bom, porque o PIB está sendo puxado pelo consumo.
- Se as vendas não crescerem nesse patamar, a economia como um todo pode crescer menos ainda - acrescentou ele.
"O próximo ano ainda é um mistério. Vamos torcer para que ele não seja pior do que este"
JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
Presidente da Abras
"É difícil entender o que está acontecendo. A renda e o emprego estão crescendo, mas há setores demitindo"
MARCEL SOLIMEO
Economista-chefe da ACSP