Título: O BRASIL SE DIVIDE ENTRE LULA E ALCKMIN
Autor: José Casado
Fonte: O Globo, 02/10/2006, O País, p. 3

Atraso em SP torna apuração emocionante e país terá segundo turno entre o petista (48,79%) e o tucano (41,43%) com 98,06% dos votos contados

Com uma votação emocionante, que somente por volta da meia-noite confirmou o segundo turno por causa do atraso na apuração em São Paulo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à reeleição pelo PT, vai enfrentar o tucano Geraldo Alckmin numa nova disputa. Lula entra nesse segundo turno numa situação diferente da de 2002, quando venceu com folga o também tucano José Serra no primeiro turno em todas as regiões e em todos os estados (Serra só venceu em Alagoas).

Apuradas 98,06% das urnas, Lula recebera 48,79% dos votos; Alckmin, 41,43%; Heloísa Helena (PSOL), 6,85%; e Cristovam Buarque (PDT), 2,67%.

Lula perdeu , no Sul, no Centro Oeste, em estados do Norte e, principalmente, em São Paulo. Ganhou no Nordeste e em estados no Norte. Venceu por margem expressiva no Maranhão (75%), no Amazonas (78%), no Piauí (67%), no Ceará (71%), na Paraíba (65%) e em Pernambuco (70%). Levou vantagem em Minas (50,78%). Mas foi surpreendido por Geraldo Alckmin em São Paulo (54,67%), Rio Grande do Sul (55,7%), Santa Catarina (56,61%), Paraná (53%), Mato Grosso do Sul (56,2%), Goiás (51,50%), Distrito Federal (44%), Mato Grosso (54,4%) e Roraima (59,5%). No Rio, Lula venceu com 49,18%, seguido de Alckmin, com 28,8%, e Heloísa Helena, a candidata derrotada do PSOL, que ficou com 17,1%. Foi a votação mais expressiva dela, que no total do país não chegou a 7%.

A apuração ficou atrasada por causa de São Paulo, onde, segundo o Tribunal Regional Eleitoral, só seria possível obter resultado final depois das 2h de hoje. Somente quando faltavam 15 minutos para a 1h de hoje o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio de Mello, oficialmente confirmou a realização do segundo turno.

O resultado das urnas mostra um país que amanhece dividido como nunca em 21 anos de regime civil. Os 126 milhões de eleitores surpreenderam tanto o governo quanto a oposição. Repartiram os votos, obrigando qualquer que seja o presidente escolhido no próximo dia 29 a fazer em curto prazo a primeira e fundamental obra do seu mandato: a arte da política, o diálogo.

Essa negociação com as forças adversárias foi imposta pelo eleitorado como uma questão de sobrevivência ao futuro governo ¿ reconhecem líderes do PT, do PSDB e do PFL. As bases do entendimento e seu desfecho vão depender da habilidade do eleito.

Até três semanas atrás, líderes dos maiores partidos na disputa ¿ o PT e o PSDB ¿ trabalhavam com discrição sobre essa possibilidade. O clima era outro e os prognósticos eleitorais também. Lula, então, era favorito nas pesquisas, com uma larga vantagem sobre Alckmin. O tucano, como Serra em 2002, teve votação acima do que previam as pesquisas.

Discretamente, o presidente Lula mandou, por exemplo, o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), para conversas com o recém-eleito governador do PSDB em São Paulo, José Serra. O próprio Lula conversou seguidas vezes com Aécio Neves, reeleito em Minas.

O escândalo da prisão de petistas envolvidos na compra de um dossiê contra tucanos anulou todo o esforço de entendimento. A divisão de votos nas urnas, porém, revela uma disposição do eleitorado de impor a negociação sobre o futuro do país. Foi o que percebeu, por exemplo, Aécio, logo após ser reeleito:

¿ Temos um Brasil a construir, que precisa de reformas, planejamento, eficiência e resultados, e não vamos viver permanentemente num clima pré-eleitoral.

Foi a primeira leitura política dos resultados eleitorais e, na prática, a primeira chamada ao armistício de alguém da oposição.