Título: CONTROLE AÉREO PODE TER FALHADO
Autor: Erica Ribeiro, Maria Fortuna e Luciana Anselmo
Fonte: O Globo, 02/10/2006, O País, p. 32

Torre de Manaus teria autorizado Boeing a subir de altitude sem avisar a de Brasília, que monitorava Legacy

RIO e BRASÍLIA. Uma falha de comunicação entre as torres de controle de Manaus e Brasília pode ter sido responsável pelo acidente aéreo que derrubou o Boeing 737-800 da Gol com 155 passageiros e tripulantes no norte de Mato Grosso, na última sexta-feira. Uma fonte do setor revelou ao GLOBO que o jato Legacy da Embraer, que decolara de São José dos Campos (SP) com destino aos EUA e abasteceria em Manaus, voava a 37 mil pés de altitude (dez mil metros), com autorização da torre de Brasília. Por solicitação do piloto do Boeing, a torre de Manaus teria autorizado que a aeronave da Gol subisse de 35 mil para 39 mil pés. Como as duas torres não se comunicaram, houve a colisão.

A Aeronáutica não confirmou nem desmentiu essa informação, nem a possibilidade de que o Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego (Cindacta) de Manaus monitorasse o Boeing, enquanto o Cindacta de Brasília estaria responsável pelo Legacy. Através de seu centro de comunicação, a FAB informou que todos os dados relativos aos vôos dos dois aviões envolvidos no acidente foram repassados à comissão que investiga o caso, com a participação da Gol, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e de representantes da agência de aviação dos EUA (acionados por que o Legacy, embora fabricado pela Embraer, já havia sido comprado por uma empresa americana).

O especialista em aviação Ivan Sant'Ana chamou atenção para o fato de a rota usada pelos dois aviões estar localizada justamente na zona de transição entre o Cindacta de Manaus e o de Brasília.

¿ É uma terra de ninguém ¿ resumiu Sant'Ana, autor de livros sobre aviação.

Agência Nacional confirma choque no ar

Os Cindactas são órgãos de controle de tráfego aéreo espalhados estrategicamente pelo Brasil para proporcionar segurança a vôos comerciais e auxiliar aviões militares pelos céus do país. O sistema é apoiado por uma rede de radares e estações de telecomunicações. São quatro Cindactas: o Cindacta 1 atua no quadrilátero Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília; o Cindacta 2 abrange Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; o Cindacta 3 atua do Sul da Bahia até o Maranhão, abarcando todo Nordeste e, em particular, a área oceânica; e o Cindacta 4, está instalado na região amazônica.

O presidente da Anac, Milton Zuanazzi, disse ontem que os depoimentos prestados pelos ocupantes do Legacy confirmam que houve de fato uma colisão entre as duas aeronaves. Análises preliminares mostram que o Boeing foi atingido na barriga, no motor e no leme, onde se localiza o controle hidráulico da aeronave. Ainda segundo Zuanazzi, o sistema anticolisão ¿ conhecido como Traffic Alert and Collision Avoidance System ¿ do Legacy estava funcionando perfeitamente. Segundo ele, o aparelho foi testado antes de o jato decolar e também em sua chegada na Base Aérea de Cachimbo, no Mato Grosso, onde fez o pouso forçado após o choque com o avião da Gol. O presidente da Anac não soube dizer, no entanto, se o mesmo equipamento estava funcionando no Boeing, o que apenas a caixa-preta poderá esclarecer.

O especialista em aviação Ivan Sant'Ana levantou a hipótese de que o piloto do Legacy estivesse fazendo manobras para testar o jato recém-comprado, o que dificultaria o alerta por parte do detector.

¿ Ele pode ter dado uma guinada de cima para baixo ou ter feito uma manobra brusca e não ter dado tempo de o equipamento anticolisão detectar o outro avião. O piloto do Legacy pode ter abandonado o nível de vôo estabelecido para o avião ¿ especulou.

Já para o engenheiro Gustavo Tavares da Cunha Mello, autor de tese de mestrado sobre acidentes aeronáuticos, é possível que o piloto do Legacy tenha se esquecido de ligar ou até mesmo desligado o sistema anticolisão, para voar mais alto.

¿ Se o sinalizador do Legacy estava desligado, o avião da Gol não o detectaria, mesmo se seu equipamento estivesse funcionando. O piloto também pode não conhecer o avião direito ou não ter tido treinamento suficiente ¿ cogitou.

Claudio Magnavita, presidente da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo, observou que, independentemente de os detectores estarem ou não ligados, pode ter havido falha do controle de tráfego aéreo.

Para o Legacy derrubar o Boeing e conseguir fazer um pouso forçado, basta ter atingido o 737-800 num ponto sensível, explica o especialista em análise de acidentes e controle de emergências da Coppe-UFRJ, Moacyr Duarte. As fotos do avião da Embraer, divulgadas pela FAB, mostram algumas avarias na aeronave. Uma delas, numa parte da asa esquerda chamada winglet. Segundo Duarte, essa é uma peça muito fina e, dada a velocidade do avião, tem um grande potencial cortante:

¿ É como faca quente na manteiga. O winglet é aparafusado à asa. Não faz parte da estrutura dela. A função dessa peça é exclusivamente aerodinâmica. Daí a possibilidade de, num choque, haver danos maiores ao avião atingido.

Ele explicou também que, dependendo da localização do choque, pode não ter sido possível para o piloto do Boeing fazer o comunicado de emergência após a colisão.

¿ Há relatos de que o avião foi visto muito baixo, numa queda em movimento giratório. Se ele foi atingido no leme de cauda vertical (peça de controle de profundidade, que fica na parte traseira da aeronave) a desestabilização é imediata ¿ disse Duarte, acrescentando que neste caso, a 800km/h, os passageiros são chacoalhados de um lado para o outro, tornando qualquer ação impossível.

COLABOROU Demétrio Weber (Brasília)