Título: CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO SOCIAL
Autor: Luciana Rodrigues e Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 02/10/2006, Economia, p. 41

Analistas dão receitas para combater trabalho infantil e evasão escolar de adolescentes

Omais completo retrato dos indicadores sociais do Brasil, que mostrou avanço do emprego e da renda, também revelou que havia mais crianças trabalhando e mais jovens fora da escola em 2005. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo IBGE há duas semanas, constatou um acréscimo de 10,3% no trabalho infantil entre 5 e 14 anos. E, pelo segundo ano consecutivo, a parcela de jovens entre 15 e 17 anos que não estudam subiu para 18,3%. Pesquisadores que acompanham de perto a Pnad divergem sobre quais políticas podem combater esses males.

Para Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a variação na parcela de crianças de 5 a 9 anos trabalhando ¿ de 1,5% para 1,8% ¿ foi significativa. E a explicação mais provável vem do campo. Com a queda do dólar, a renda dos agricultores foi drasticamente reduzida e as crianças acabaram arrastadas para o trabalhos.

Entre as crianças mais velhas, de 10 a 14 anos, o trabalho cresceu de 10,1% para 10,8%. Segundo Soares, mais meninas estão trabalhando como empregadas domésticas. As receitas para combater o trabalho infantil são conhecidas, diz o pesquisador: fiscalização e políticas sociais como o Bolsa Família e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

Jornada escolar deveria ser maior

Coordenador no Brasil do Programa Internacional de Erradicação do Trabalho Infantil, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Pedro Américo destaca que não foi estabelecida no país a competência de que órgão vai fiscalizar essa prática ilegal. Hoje, 5,4 milhões de crianças de 5 a 17 anos trabalham.

¿ Quem tem a responsabilidade de fiscalizar o trabalho na agricultura, na informalidade e nas atividades ilícitas? Há um vazio na fiscalização. São alguns programas espalhados por vários ministérios.

Outro vácuo está na falta de metas. Assim, segundo Pedro Américo, não há monitoramento e correção de rumos das políticas adotadas.

Sônia Rocha, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), lembra que a Pnad considera como trabalho infantil mesmo atividades que consumam poucas horas das crianças. E que nas pequenas propriedades rurais, é comum os filhos ajudarem os pais no serviço. Se essas crianças estão estudando ¿ em 2005 cresceu a escolarização nas faixas etárias até os 14 anos ¿ o ligeiro aumento no trabalho infantil não é alarmante, diz Sônia.

Mas a maior parcela de jovens fora da escola é um dado preocupante, alerta a economista. Em 1992, mais de 40% dos brasileiros entre 15 e 17 anos não estudavam. Esse número caiu sistematicamente até alcançar 17,6% em 2003. Mas subiu em 2004 e, no ano passado, aumentou novamente, chegando a 18,3%. Para Sônia, não adianta aumentar a faixa etária do Bolsa Família ¿ hoje, o programa paga aos pais um adicional de R$15 para crianças até 14 anos, limitado a três filhos. É preciso melhorar a qualidade do ensino, diz Sônia.

Lena Lavinas, da UFRJ, destaca que o trabalho infantil e a evasão escolar de jovens vinham caindo, mas a tendência foi interrompida em 2003, justamente quando os programas de transferência de renda começaram a ser expandidos. Ela acredita que é preciso ampliar o benefício pago às crianças, para permitir que seus pais as tirem do trabalho. E também estendê-los aos jovens. Ela cita o programa mexicano Oportunidade, no qual o benefício sobe a medida que as crianças avançam nos estudos.

¿ Se o mantra da educação é uma verdade, este país precisa entender que a porta de saída não é cortar benefícios, e sim dar incentivos para a conclusão do Ensino Médio.

Lena, assim como Pedro Américo, da OIT, defende uma maior jornada escolar para evitar que as crianças sejam desviadas para o trabalho.

Para Sergei Soares, a parcela de jovens fora escola cresceu porque faltam vagas no Ensino Médio. A entrada em vigor do Fundeb (fundo que, a exemplo do Fundef, vai financiar a educação, mas abrangendo o pré-escolar e o Ensino Médio) poderá amenizar o quadro:

¿ A culpa é do governo e do Congresso, que atrasaram a aprovação do Fundeb (o projeto ainda precisa ser votado em um turno).

Sociólogo e estudioso da educação, Simon Schwartzman, presidente do Iets, lembra que, nessa faixa etária, a escola é malvista entre os jovens e a autoridade das mães perde força. Ele não vê no mercado do trabalho o motivo para a saída da escola:

¿ A idéia de que os meninos deixam a escola para trabalhar é errada, o ganho não é significativo. O problema está na escola. O estudante não se alfabetiza, não consegue aprender, vai se alienando e acaba saindo.