Título: ASPECTOS DA NOVA PARTIDA
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 03/10/2006, O País, p. 2

Costuma-se dizer que o segundo turno é sempre uma nova eleição. E de fato é, embora isso não suprima as vantagens e limitações que um e outro trazem do primeiro turno. Da mesma forma é falso superestimar a vantagem em votos obtida pelo primeiro colocado. A história eleitoral está cheia de casos de virada, com vitória do segundo colocado, embora o contrário aconteça com mais freqüência.

Embora tenha faltado a Lula apenas 1,5% dos votos para ganhar no domingo, e ele tenha encerrado o primeiro turno com 6,5 milhões de votos de vantagem, a vitória política foi de Alckmin, que enfrentou um presidente francamente favorito durante toda a campanha e foi favorecido, já na reta final, por erros cometidos pelo time adversário, sendo irrelevante a cansativa discussão sobre o conhecimento de Lula sobre o dossiê. A frustração de seus eleitores com a falta ao debate e o surgimento das fotos do dinheiro fizeram o resto.

Mas Alckmin cresceu não apenas porque soube explorar os pontos fracos do adversário. Na reta final, conseguiu apresentar-se como líder nacional, aparecendo ao lado de nomes conhecidos como Aécio Neves, José Serra e Jarbas Vasconcelos. Faltou FH, é bem verdade. O discurso propositivo em que investira antes começou a fazer sentido para os eleitores, inclusive para os que resolveram cortar o crédito que vinham dando a Lula.

No confronto que agora começa, Lula sai na frente, em percentuais de votos, mas é preciso considerar as condições psicológicas e emocionais da campanha. Lula sai frustrado com a não-vitória, e Alckmin embalado pelo impulso do êxito, pilotando uma campanha energizada. Tem chance de ampliar sua aliança e aliados importantes, como Serra e Aécio, já eleitos e dispostos a fortalecer sua artilharia. Lula ainda administra a frustração enquanto remonta estratégias e equipes e com o caso do dossiê ameaçando produzir novas ondas negativas.

Ontem ele deu uma ordem: quer o caso esclarecido o mais rapidamente possível, seja de quem for o dinheiro e a "arquitetura" da manobra destinada a atingir tucanos. No "Jornal Nacional", afirmou que deseja um debate profundo sobre a questão ética no segundo turno. Começou também a mobilizar aliados, telefonando para Ciro Gomes, Marcelo Déda, José Sarney, Jaques Wagner - maior troféu do PT na eleição - e outros vitoriosos no domingo, que convocou para reforçar o comando de sua campanha. Wagner vem a Brasília hoje discutir sua participação. Conversou ainda com Sérgio Cabral, que deve apoiá-lo no Rio, no confronto com Denise Frossard. Lula e os seus estão cientes dos riscos que agora rondam a reeleição.

Alexandre Marinis, da Mosaico Consultoria, destaca dois aspectos importantes. Um deles, o risco de virada. Ele adverte que Lula teve mais votos, mas a vantagem foi substancialmente menor que o previsto nas pesquisas, o que aumenta as chances de virada do placar, que foi de 48,61% a 41,64%. Os 12 pontos percentuais indicados pelas pesquisas ficaram reduzidos a 7. Ele estudou 121 eleições brasileiras que foram ao segundo turno, de 1989 para cá (presidente, governador e prefeito). Em apenas 27% dos casos houve virada. Na grande maioria, venceu quem chegou na frente no primeiro turno. Mas constatou que a probabilidade de inversão é maior quando a diferença entre os dois primeiros colocados é inferior a dez pontos percentuais, como agora. A probabilidade de virada oscila entre 35% e 40% para eleições nas quais os dois primeiros colocados encerram o primeiro turno separados por menos de 7,5% dos votos válidos. E cai para 25% a 29% quando os dois primeiros encerram o primeiro turno separados por diferença de 10% a 12,5% dos votos válidos. Em suma, política não é estatística, mas as chances de Alckmin cresceram por conta da boa votação obtida, graças, sobretudo, à sua vantagem em São Paulo e ao bom desempenho em Minas.

Outro aspecto é da migração dos votos de Heloísa Helena e Cristovam Buarque. Segundo a última pesquisa Datafolha (29-30 de setembro), 53% dos eleitores da senadora tendiam a votar no tucano no caso de um segundo turno e 29% em Lula. Outros 15% dos anulariam o voto e 3% estavam indecisos. Já 52% dos eleitores de Cristovam prometeram migrar para Alckmin e 26% para Lula, 18% anulariam o voto e 5% eram indecisos. Se os votos dos dois fossem distribuídos entre Lula e Alckmin na proporção sugerida pela pesquisa, Alckmin ganharia mais 5,1% nas simulações de segundo turno. Lula ganharia apenas 2,8%. Com isso, a vantagem de Lula cairia de 5,38% (última pesquisa Datafolha, 29-30 de setembro) para apenas 4,59%, acenando ao tucano com boas chances de virar o jogo e levar. Mas Lula tem ainda a seu favor a solidez do voto dos que o escolheram domingo, apesar do dossiê, do dinheiro aparecido e de sua falta ao debate.