Título: Lula muda atitude para 2º turno
Autor: Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 03/10/2006, O País, p. 3

Petista dá coletiva, diz que perdeu porque 'faltou voto' e que vai a debates

Em sua primeira manifestação pública sobre o resultado da eleição, ontem à tarde no Palácio da Alvorada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deu mostras de mudança de comportamento para a disputa com o tucano Geraldo Alckmin no segundo turno. Demonstrando bom humor e confiança, disse que não venceu porque o povo não quis, mas que a vitória só vai demorar mais um pouco. Prometeu que, desta vez, participará de debates e também alterou o discurso sobre a questão do escândalo do dossiê, substituindo as críticas à imprensa por elogios.

Ao contrário de declarações de integrantes sua campanha, Lula não criticou a divulgação das fotos do dinheiro apreendido com pessoas ligadas ao PT. Mas, de novo, não quis culpar o PT pelo caso do dossiê, comparando o partido a uma família e dizendo que o ato foi cometido por "meia-dúzia". Durante os 30 minutos de entrevista Lula buscou demonstrar tranqüilidade:

- Obviamente que todos os candidatos gostariam de ter ganho as eleições no primeiro turno, mas nem sempre a sabedoria popular permite que isso aconteça. Não venci porque não venci. Faltou voto - resumiu, ao lado do vice José Alencar.

A mudança de posição ocorreu sob os olhares do coordenador da campanha à reeleição, Marco Aurélio Garcia, que na véspera criticara a imprensa pela divulgação de fotos do dinheiro encontrado com petistas.

- Fico pedindo a Deus que não me aconteça nada até desvendar esse mistério. Não posso culpar o PT porque o PT é muito grande. A gente não pode condenar a família porque um membro cometeu um desatino.

Só ontem pela manhã Lula decidiu que faria um pronunciamento sobre o resultado da eleição, que não quis fazer na noite de domingo. A decisão foi comunicada a ministros e integrantes da campanha após uma reunião de coordenação no Planalto. Leia os principais trechos da entrevista:

POR QUE NÃO VENCI 1:"(A vantagem) Era cristalizada. Mas havia uma pressão de setores da sociedade muito grande para que houvesse dois turnos e está acontecendo. Eu e o Alencar estamos dispostos a sair para a rua para fazer a campanha outra vez. Avaliar o que fez com que não ganhasse no primeiro turno, confesso que não tenho medidor ainda. Não sei que matéria, se foi o debate...."

POR QUE NÃO VENCI 2:"Não venci porque não venci. Faltou voto. Primeiro, porque não tinha eleição ganha. O que temos de ter clareza é que faltaram votos para ganharmos no primeiro turno. Certamente não vai faltar para a gente ganhar no segundo. Só isso. Vai demorar apenas um pouco mais a vitória."

IMPRENSA E ESCÂNDALO DO DOSSIÊ:"Se o fato aconteceu, ele tem que ser mostrado. Todo mundo, normalmente, se queixa da imprensa. Duvido que tenha um político que não se queixa da imprensa. O dado concreto é que a imprensa tem um papel muito importante em tudo que estamos vivendo no Brasil de conquista da democracia. Você pode gostar ou não. Mas o fato concreto é que aconteceu. Tinha o dinheiro e tinha a fotografia, que poderia ter sido mostrada no dia, quando bem entendesse."

DOSSIÊ E DEUS:"De vez em quando, fico pedindo a Deus que não me aconteça nada até desvendar esse mistério. Tem um mistério nesse dossiê que eu gostaria de saber. Não é apenas a questão do dinheiro e de onde veio esse dinheiro. Quero saber quem arquitetou essa obra de engenharia para atirar no próprio pé. Só quero que a Polícia Federal seja rigorosa na apuração, com muito critério, porque o critério não é político, é científico de fazer a apuração. Mas peço a Deus para viver até o dia em que puder falar: olha, foi tal pessoa que articulou (...)"

DOSSIÊ E PT:"Não posso culpar o PT porque o PT é muito grande, gente. A gente não pode condenar a família porque um membro dessa família cometeu um desatino. Meia-dúzia de pessoas acreditaram em Papai Noel. Na hora em que você aceita negociar com bandido, você está virando um deles. Por isso peço a Deus que seja desvendado esse mistério. É uma coisa inexplicável."

VITÓRIA E SABEDORIA POPULAR:"Obviamente que todos os candidatos gostariam de ter ganho as eleições no primeiro turno, mas nem sempre a sabedoria popular permite que isso aconteça."

DEBATE:"Agora, vamos ter uma campanha mais justa, mais verdadeira. Ou seja, debate tête-à-tête dos dois candidatos. Agora, a gente vai poder debater os problemas do Brasil, aquilo que fizemos, aquilo que nos propomos a fazer. Penso que vai ser um segundo turno interessante, esclarecedor."

DEBATE E BOLA DE CRISTAL: "Se eu tivesse uma bola de cristal que dissesse 'você faça tal coisa que você ganha o voto, não faça que você perde voto', eu faria tudo aquilo que eu ganhasse um voto."

ALIANÇAS POLÍTICAS:"Os aliados agora estão mais ou menos previsíveis. Como são dois candidatos lá também, um vai escolher um candidato a presidente e o outro vai escolher o outro.."

HELOÍSA HELENA E CRISTOVAM BUARQUE:"Heloísa Helena já deu declaração dizendo que vai liberar o partido dela para votar em quem quiser. É uma sóbria decisão. E o PDT, a informação que tive é que terão uma reunião da direção nacional para decidir."

GOVERNADORES PETISTAS:"Estou extremamente feliz com a vitória do companheiro Jaques Wagner na Bahia, no primeiro turno. Uma coisa que para todos vocês também foi uma surpresa extraordinária. A vitória do Marcelo Déda (em Sergipe) é outra coisa importante. Eram dois estados governados pelo PFL que foram derrotados, pode parecer obra do destino, exatamente pelo PT."

APOIO A SÉRGIO CABRAL:"Já conversei com o Sérgio Cabral hoje de manhã e não tenha dúvida de que eu não medirei esforço para que o partido (PT) no Rio de Janeiro, para que o senador Marcelo Crivella (PRB) possa apoiar o Sérgio Cabral. Terei o imenso prazer de ir ao Rio de Janeiro fazer comício com o Sérgio Cabral."

CANDIDATO DOS POBRES: "Se fosse assim, simples, então, como têm muito mais pobres do que ricos já estaria ganha as eleições. Não é assim que o povo se comporta numa eleição...A sociedade, a cultura brasileira não aceita essa divisão (entre ricos e pobres).

'Domingo a onça vai beber água'

Em entrevista coletiva ontem à tarde, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mudou o tom que vinha mantendo na reta final da campanha e chegou a negar ter dito que venceria as eleições no primeiro turno. Mas de fato o fez publicamente, mais de uma vez, em comício a uma semana do pleito, dia 24, em Sorocaba (SP):

-- Nunca falei que ia ganhar as eleições no primeiro turno por modéstia, por respeito. Mas quero dizer para vocês: vamos ganhar as eleições domingo. Podem ficar certos. Se alguém achar que a campanha presidencial vai para o segundo turno, vai ter que esperar 2010.

Aplaudido, o presidente ainda brincou dizendo que domingo seria o dia de "a onça beber água":

- Dia 1 ºº de outubro é dia de a onça beber água. Esta oncinha está com sede. Eles sabem que mais quatro anos meus eu vou desmoralizar muitos que governaram este país.

Na mesma noite, ao comentar o envolvimento de seus assessores na compra do dossiê contra candidatos tucanos, o presidente disse que foi traído e invocou a traição de Jesus Cristo por Judas. Mas não se mostrou intimidado:

- Não me assustam a gritaria e o denuncismo deles, até porque não será o PT o único partido a ter companheiros que cometeram erros. Numa mesa de 12, um traiu Jesus e, na mesa dos inconfidentes, um traiu Tiradentes - disse. E completou: - Podem fazer denúncia, façam o que quiserem. Vamos ganhar com a cara limpa que nós temos.

Outra indicação da certeza da vitória, como antecipou o colunista Ancelmo Gois, no GLOBO, no dia 12, foi o ministro Guido Mantega trocar o hotel em que mora pela residência oficial do Ministério da Fazenda agora, às vésperas da eleição. E estimulado pelo próprio presidente, como contou a colunista Tereza Cruvinel, também no GLOBO. O ministro teria tentado mostrar que a mudança poderia gerar especulações, mas Lula foi quase imperativo: "Mude logo".

E num outro comício, em Criciúma (SC), dia 9, o presidente prometeu inaugurar obras previstas para 2008.

Segunda coletiva em 4 anos

O presidente Lula sempre teve relação difícil com a imprensa e só passou a falar mais com os jornalistas já candidato à reeleição. A entrevista de cerca de 30 minutos de ontem pode ser considerada a segunda coletiva do presidente em quatro anos de mandato, incluindo todos os órgãos de imprensa e concedida num dos palácios, desta vez no da Alvorada. A primeira foi em 29 de abril de 2005, no Planalto.

Na ocasião, extremamente formal, a entrevista coletiva não permitia a réplica. Ontem, os jornalistas puderam ter mais liberdade de argumentação. Oficialmente, o Planalto contabiliza várias entrevistas coletivas, mas, de maneira formal, convocada com antecedência, foram apenas essas duas.

A estratégia da Presidência tem sido de Lula conceder entrevistas setorizadas. As emissoras de rádio, dentro dessa tática, têm sido as preferidas. Outra modalidade é falar a emissoras de televisão individualmente. Nas viagens internacionais como presidente, Lula é sempre mais flexível, permitindo a abordagem da imprensa, seja informalmente na saída dos eventos, ou em entrevista conjunta com o anfitrião.

Mas, há um ano, o presidente passou a aceitar a abordagem dos jornalistas com mais frequência e sem organização prévia.