Título: EVITANDO OPERAÇÃO TABAJARA NA ECONOMIA
Autor: Ilan Goldfajn
Fonte: O Globo, 03/10/2006, Opinião, p. 7

Nas próximas semanas, deve se acirrar o debate sobre a "Operação Tabajara", o escândalo da negociação do dossiê que visava alterar o favoritismo na corrida ao governo de São Paulo, mas que, involuntariamente, alterou (ou "melou", na linguagem dos inocentes) outra corrida, a presidencial. Seria desejável que também houvesse espaço para discutir outras questões, como o aparente (e falso) consenso sobre as políticas econômicas a serem implementadas no futuro.

Na economia, vários analistas, especialmente estrangeiros, têm tido uma visão Coca-Cola/Pepsi-Cola do futuro governo: não importa quem venha comandar a economia, o gosto seria o mesmo. Os alicerces da política econômica não serão modificados - câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação - e o resto... bom, o resto não faz tanta diferença, assim pensam. No limite, quando a disputa fica muito acirrada, os mercados financeiros têm reagido mais ao risco à governabilidade do que à escolha em si.

Mas não há consenso sobre o diagnóstico ou as mudanças necessárias na economia para alavancar o crescimento. No limite, há também o risco de políticas, revestidas de boas intenções, que levem ao retrocesso. Listo, abaixo, uma série de assuntos na área de economia em que seria interessante aprofundar o debate:

1. Diagnóstico: existem entraves ao crescimento econômico que vão além do binômio juros altos e câmbio apreciado, que mais refletem os problemas da economia do que os causam. O nó básico do crescimento no curto e médio prazos é a conjunção de uma carga tributária extremamente elevada - necessária para financiar gastos públicos crescentes - com outros entraves à produção e investimento. No longo prazo, o problema é a necessidade de elevar a qualidade da educação no Brasil. Problemas de governança existem em várias economias emergentes, mas a combinação desses entraves com uma carga tributária elevada parece ser unicamente brasileira. Esse diagnóstico deve ganhar força caso os juros continuem a cair nos próximos meses e anos (como conseqüência do sucesso no combate à inflação), e o crescimento não reaja de acordo com as expectativas. Seria bom anteciparmos esse debate.

2. Gastos públicos e reformas: a redução na carga tributária (ou, pelo menos, o seu não-crescimento) requer equacionar o aumento dos gastos públicos. Já há sinais de boas intenções em diversos pontos do espectro político, como, por exemplo, na intenção do atual governo, caso eleito, de reduzir lentamente os gastos públicos como proporção do PIB nos próximos anos. A capacidade de aprovar as reformas é essencial. Neste sentido, preocupa a recente afirmação do atual ministro da Fazenda de que continua não convencido da necessidade da reforma da Previdência, apesar do consenso entre os especialistas.

3. Entraves, gestão e reformas micro: a qualidade da gestão é essencial, não somente para reduzir o crescimento dos gastos públicos de forma racional, mas também para reduzir os entraves à produção e ao investimento em várias áreas. A agenda microeconômica não pode ficar perdida, como afirmou recentemente um alto funcionário do governo, responsável pela área onde muito tem sido perdido ultimamente.

4. Educação, transferências e crescimento: poucos discordariam da necessidade de reduzir a pobreza e a desigualdade no Brasil. Mas, de que forma deve ser abordada? Qual é o impacto da educação versus os programas de transferência (e/ou aumento do salário mínimo) na redução da pobreza e desigualdade no longo prazo? E se os aumentos do salário mínimo e/ou transferências comprometerem o crescimento, qual seria a combinação ideal?

Em suma, não compartilho da idéia de que há um consenso amplo sobre a economia e que o rumo da economia já está traçado, independentemente do seu futuro comando. Apesar das dificuldades políticas naturais em abordar temas que envolvem perdas para determinados grupos, há muito que debater na economia. Existe o risco de não avançarmos, o que significa delinearmos um futuro mexicano para nossa economia - menos vulnerabilidades, juros e inflação baixos, mas crescimento medíocre. Existe, também, com menor probabilidade, o risco de retrocesso, se políticas revestidas de boas intenções vierem involuntariamente a corroer o conquistado até agora. Seria uma típica "Operação Tabajara" na economia, que nos levaria inesperadamente a um segundo turno de dificuldades.

ILAN GOLDFAJN é professor da PUC, diretor do Iepe/CdG e ex-diretor do Banco Central. E-mail: goldfajnecon.puc-rio.br, http://www.econ.puc-rio.br/goldfajn.

A elevada carga tributária se soma a outros entraves para formar o nó do crescimento