Título: 'A GRANDE BANDEIRA DA SOCIEDADE HOJE É O CRESCIMENTO ECONÔMICO'
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 03/10/2006, Economia, p. 34
Ministro quer pacto entre empresas, governo e sociedade para país crescer
Até há poucos dias, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, respondia que já estava cumprindo aviso prévio, quando perguntado se ficaria no governo em um segundo mandato do presidente Lula. Agora, diz que ainda não decidiu. Ficando ou não, Furlan propõe um pacto nacional para depois das eleições, em torno de metas explícitas de expansão da economia. "Sêneca (filósofo e escritor romano, tutor de Nero) disse que não há vento bom para quem não sabe aonde quer chegar", filosofa.
O senhor ficou desanimado com a revisão para baixo das projeções de crescimento do PIB este ano?
LUIZ FERNANDO FURLAN: Há um tema mal resolvido no Brasil que é: para sermos um país distinto, confiável, com inflação baixa, temos que submeter o país a um crescimento medíocre. Quando alguém se arrisca a dizer que o Brasil precisa ter metas de crescimento, olhando um objetivo maior, que não é só crescer por crescer, ouve que crescimento não vem do desejo de uma pessoa. E é verdade. Ele vem, primeiro, de uma estratégia. Sêneca disse que não há vento bom para quem não sabe aonde quer chegar.
O que se tem visto é uma relação conflituosa entre inflação e crescimento?
FURLAN: É errado dizer que ter uma meta de crescimento é incompatível com metas de taxa de inflação. A China tem como meta dobrar a renda per capita dos seus cidadãos de 2000 a 2010. A Índia tem uma meta para os próximos dez anos de crescer 10% ao ano. Há uma discussão acadêmica que, muitas vezes, impede que se veja a coisa concreta. Qual é, afinal, o desejo principal da sociedade brasileira?
O que diz o presidente Lula a esse respeito?
FURLAN: O presidente Lula ouviu cerca de 50 líderes empresariais, e esse foi um dos objetivos, talvez o principal, dos jantares que eu promovi. E a tônica dessas conversas foi crescimento.
Metas de crescimento podem ser incorporadas à politica econômica brasileira?
FURLAN: Creio que sim. A meta de crescimento não tem o mesmo caráter de uma meta de inflação. Alguém pode dizer: o governo não tem controle sobre todos os instrumentos do crescimento. Ele depende de eventos internacionais, de coisas que estão fora do controle, em alguns casos até por causa do clima, como uma seca que provoca frustração de safra. É diferente de inflação, onde o governo tem mecanismos para controlar a meta, mas não pode controlar os preços. Se dependesse do Banco Central, era melhor que o preço do petróleo não tivesse subido, assim como o do aço.
E como seria o pacto para o crescimento?
FURLAN: A idéia é buscar uma convergência entre governo, instituições de pesquisa, Congresso e setor privado. A grande bandeira que tem a unanimidade da sociedade hoje é o crescimento econômico.
Como chegar a 5%, 6% ao ano, levando em conta a conjuntura atual?
FURLAN: Para que o Brasil cresça 5,2% ao ano, dentro do modelo usado pelos economistas, a indústria precisaria crescer 6%, os serviços 5%, a agricultura 4%, a taxa de investimento do PIB teria de alcançar 24,5%, o investimento público, 1% do PIB. Sem contar uma taxa de juro real de 9,5% e uma inflação de 5,5%.
Qual a fórmula para diminuir a distância entre poupança e investimento?
FURLAN: Hoje há uma dicotomia entre poupança e investimento. O Brasil precisa investir, no mínimo, 25% ao ano do PIB, mas só investe de 20% a 21%. Oferecemos taxas de juros extraordinárias no curtíssimo prazo com liquidez, quando todos os países do mundo têm taxas de juros de longo prazo maiores. O capital volátil tem que carregar um ônus da liquidez. Alguém que investe com cinco anos de prazo precisa ter uma remuneração maior do que aquele que investe no overnight. Precisamos recuperar a confiança para que se tirem das gavetas os planos de investimentos. Hoje, carregamos uma frustração de olhar para os lados e ver os outros andando mais rápido do que nós.
Os juros elevados não dificultam esse projeto?
FURLAN: O ministro da Fazenda (Guido Mantega) já disse que 5% de juro real é uma meta para os próximos quatro anos. Estamos com mais de 10% de juro real. Sair de 10% e chegar a 5% não acontece em um piscar de olhos. Tem que haver uma rampa de descida sistemática e consistente.
Faltam investimentos para infra-estrutura no país?
FURLAN: Tem recursos de sobra de estados, do setor privado e de instituições internacionais. Mas existe uma amarra, que é o superávit primário, que foi colocada por nós. Há um equívoco na contabilidade pública de considerar na mesma vertente investimento e despesa.
A valorização do real frente ao dólar não seria mais uma amarra?
FURLAN: Reconheço que as autoridades brasileiras estão procurando fazer um bom trabalho, esterilizando dólares excedentes que vêm na balança comercial. Mas esse trabalho está se mostrando insuficiente. A burocracia, muitas vezes, ilude a opinião pública. Discutiu-se muito sobre a liberalização do câmbio. Em 2004, houve grande consenso de que as regras de câmbio eram do século passado e precisavam de uma atualização. O governo editou uma medida provisória facilitando as operações de comércio exterior. É comum as pessoas dizerem que a MP não teve qualquer efeito nas transações internacionais. E é verdade: até hoje a MP não foi regulamentada. Os instrumentos práticos para que as empresas pudessem operar essas transformações não apareceram.
Em sua opinião, a máquina governamental é lenta o suficiente para não dar prosseguimento às decisões?
FURLAN: Seria ideal termos no governo a participação maior de pessoas do setor produtivo, cujo compromisso seja com as grandes metas, e não essa necessidade que o ente politico tem de estar na mídia, de ter a sua foto, de ter idéias todos os dias, de ser fonte de colunistas. No fundo, esse prestígio, esse alento ao ego e à vaidade, não tem compromisso com o resultado.
Há alguma frustração de sua parte de não trabalhar em equipe?
FURLAN: Não. Estamos falando em olhar para o país daqui a dez anos. Estou contextualizando a situação de hoje. Essa mobilização que gera confiança, ela mexe com o sentimento das pessoas, ela mexe com o emocional. Foi muito importante o trabalho aqui no ministério. Precisamos celebrar e, ao mesmo tempo, cobrar, ser duros e enérgicos. Esse conjunto de fatores faz com que uma máquina pública, que não tem aumento de salário, que não tem bônus no fim do ano por alcançar o objetivo, possa se mobilizar. O setor público tem muita gente boa, competente, mas é muito comum encontrar pessoas desmotivadas.
Qual a sua expectativa para o PIB este ano?
FURLAN: Não vou fazer previsão. Começamos o último trimestre do ano, e o crescimento de um país não é como um jogo de futebol, em que se pode virar o jogo nos últimos dez minutos. E nessa altura, a sorte já foi lançada. O espaço que sobra pode influenciar positivamente o ano, mas não vai mudar radicalmente o quadro. Na hipótese de o presidente Lula ser reeleito, ele não precisará esperar três meses para começar o jogo. Ele pode fazer uma arquitetura de montagem de equipe, de envio de projetos, de negociações políticas de imediato, sem ter de esperar por uma transição. Podemos entrar janeiro com um ritmo de jogo e com velocidade de cruzeiro.
"Precisamos recuperar a confiança para que se tirem das gavetas os planos de investimentos. Hoje, carregamos uma frustração de olhar para os lados e ver os outros andando mais rápido do que nós"