Título: BC pode estourar meta de inflação...para baixo
Autor: Patricia Duarte
Fonte: O Globo, 03/10/2006, Economia, p. 35

Com queda de preços e do dólar, especialistas acreditam que IPCA pode ficar abaixo do piso de 2,5% este ano

BRASÍLIA. Com os preços desabando, sobretudo os do setor de alimentos, o mercado financeiro já prevê que a inflação de 2006 ficará abaixo de 3%, segundo mostrou ontem a pesquisa Focus do Banco Central (BC). Se este cenário se concretizar, será o menor patamar do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em seis anos, muito abaixo do centro da meta do governo para o período, de 4,5%, com margem de erro de dois pontos. Diante disso, os especialistas já não descartam a possibilidade de o BC não cumprir o objetivo e estourá-lo, desta vez para baixo do piso de 2,5%, ao contrário do período de 2001 a 2003.

Pelo Focus, os especialistas projetam IPCA de 2,98% neste ano, que ficaria assim abaixo apenas do 1,7% de 1998, quando não havia ainda o regime de metas de inflação e o câmbio era fixo (numa época da mais dependência de capital externo). Ficar abaixo do limite mínimo estabelecido significa que a autoridade monetária foi mais conservadora do que o necessário na redução de juros desde setembro de 2005. Quanto mais baixos os juros, maior o impulso dado à economia, pois o crédito fica mais barato, estimulando a produção e as compras.

O diretor de Política Econômica do BC, Afonso Bevilaqua, chegou a dizer na semana passada - quando divulgou o Relatório Trimestral de Inflação com a revisão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país) de 4% para 3,5% neste ano - que preferia errar para menos. Para ele, uma inflação maior acaba corroendo a renda da população. As chances de a meta não ser cumprida e ficar baixo de 2,5%, calculou o diretor, é de 20% em 2006. Caso isso ocorra, o BC terá de dar explicações formais ao Ministério da Fazenda.

- Existe o risco de ficar fora da meta. Não é o cenário mais provável, mas desde abril, o IPCA vem ficando abaixo de 0,20% (ao mês) - diz a economista da consultoria Tendências Marcela Prado que vai reduzirá sua projeção.

Sem previsão para alta de gasolina

Se entre setembro e dezembro, a inflação fechar a 0,20%, o IPCA, hoje acumulado em 1,78%, terminaria 2006 a 2,60%. No entanto, nos quatro meses anteriores, apenas julho (0,19%) chegou próximo desta marca. Em maio, a variação foi de 0,10%. Em junho, houve deflação de 0,21%, enquanto agosto fechou em 0,05%.

Além da queda no preço dos alimentos por questões climáticas favoráveis, o câmbio tem favorecido, com redução do valor das commodities. Além disso, com as importações, itens como móveis e aparelhos de uso doméstico também acabam caindo de preço, por aumentar a concorrência com os produtos domésticos. O mercado também descarta a possibilidade de haver reajuste da gasolina este ano, já que os preços internacionais do petróleo têm recuado nas últimas semanas e não dão sinais de que poderão voltar a subir fortemente de novo.

Os economistas ressaltam que este cenário cristaliza o conservadorismo do BC na condução da política monetária, com redução de juros pouco agressiva. Hoje, a taxa Selic está em 14,25% ao ano, uma das mais elevadas do mundo, diante de uma projeção de mercado de expansão econômica de apenas 3,09% para o ano.

As apostas são de que o BC não vai desacelerar o ritmo de queda dos juros na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), nos dias 17 e 18 de outubro. Os analistas esperam agora corte de 0,5 ponto percentual, caindo em novembro para 0,25 ponto. Isso porque, lembram, as decisões do BC daqui para frente vão influenciar sobretudo os indicadores econômicos de 2007.

- No próximo ano, não devemos ter câmbio tão favorável - avalia a economista-chefe do ABN Amro, Zeina Latif.

Pelo Focus, o mercado calcula que o IPCA fechará o próximo ano a 4,30%. Para o PIB, a pesquisa mostrou que o mercado acredita em crescimento de 3,5%, com a Selic a 12,50% ao ano no fim de 2007.