Título: LULA E ALCKMIN GANHARAM COM O 2º TURNO¿
Autor: José Bastos Moreno
Fonte: O Globo, 04/10/2006, O País, p. 16

Indecisão: `Penso votar em Lula e Frossard. Pode ser que termine votando em Alckmin e Cabral¿

Depois de afirmar, em setembro, que não votaria no presidente Lula porque detesta se sentir um imbecil, Caetano Veloso agora confessa que votou no tucano Geraldo Alckmin no primeiro turno mas que, no segundo, está indeciso. Para ele, tanto o petista como o tucano ganham com a realização do segundo turno. ¿Se a nova situação deixou Alckmin quase eufórico, deixou Lula quase deprimido. Ambos ganharam com isso¿, diz Caetano, para quem o presidente ¿deixou de dizer aquelas bobagens megalômanas que vinha repetindo¿ e Alckmin, ¿de ser um fantasma de candidato¿.

Agora, diz que pode tanto votar num como em outro. Assim como, no Rio, está indeciso sobre Denise Frossard e Sérgio Cabral Filho.

O país está dividido entre Alckmin e Lula. Quem tem mais chance de ganhar?

CAETANO VELOSO: Todo mundo está ainda sentindo a virada que foi a eleição ir para segundo turno. Depois de ter certeza de que haveria segundo turno, Alckmin parecia outro homem. Toda a energia e a inspiração que pareciam lhe faltar apareceram de repente naquele momento em que ele, pedindo para abaixarem os microfones que o estavam afogando, deu o tom ideal do embate. Lula também melhorou. Demorou, mas afinal deu uma entrevista coletiva digna desse nome. Ao vivo, pela TV. Se a nova situação deixou Alckmin quase eufórico, deixou Lula quase deprimido. Ambos ganharam com isso. Lula deixou de dizer aquelas bobagens megalômanas que vinha repetindo. Alckmin deixou de ser um fantasma de candidato. Podem dizer que as promessas de tocar a campanha do segundo turno em tom civilizado de confronto de programas de governo são um lugar-comum demagógico. Mas acho que ambos estavam sendo sinceros. É do que mais precisamos. Não entendo de chances de vitória. Eu próprio posso votar num ou noutro, a depender do andamento das campanhas. Até há poucos dias, Lula era favorito. Alckmin cresceu. Pode ser que a tendência seja essa. Mas até quando? E o que prefiro, o que é melhor objetivamente? Lula continuar, acalmar mais os delírios salvacionistas da esquerda ¿ tendo a oposição de PSDB e PFL em tom sóbrio e até colaborativo (como foram no primeiro mandato de Lula, ao contrário do PT no governo FH) ¿ talvez seja o cenário ideal. Por outro lado, seria bom se o Alckmin presidente se parecesse com ele ontem (anteontem) à noite na TV ¿ e nada com ele na foto no Jardim de Alah com cara de carola de sorriso enjoado.

O que deve ter sido decisivo para a disputa ir a segundo turno: a ausência de Lula nos debates ou a tentativa do PT de comprar o dossiê?

CAETANO: A história do dossiê pesou muito porque trouxe de volta o clima dos outros escândalos. A combinação disso com a não ida de Lula ao debate foi fatal.

O que deve ter acontecido ao PT? Troca o comando, não a prática?

CAETANO: Não entendo esse pessoal. Vi Lula dizendo que quer estar vivo para ver desvendada a engenharia que levou seus companheiros a darem esse ¿tiro no pé¿. Parecia sugerir que houve uma trama bem urdida por inimigos do PT, uma armadilha na qual os companheiros ¿aloprados¿ caíram. Pode ser. Mas o fato é que a compra do dossiê estava encaminhada, o dinheiro era grande e, como no caso do mensalão ou do Francenildo, passos cruciais foram dados por petistas importantes, dirigentes do partido, pessoas com ligações diretas com o presidente. Uma amiga me disse que o PT parece um arrastão: não dá pra saber se o garoto que pegou sua sandália recebia ordens do chefe. Piadas à parte, não creio, por exemplo, que um homem como Tarso Genro tenha qualquer identificação com essas práticas. O PT não é isso. Mas parece que não só tem muito disso como é um ambiente propício para a germinação desses fungos. Lula era, antes de ser presidente da República, apenas o presidente de honra do PT. Esse título diz muito, se o pensarmos à luz desses atos. Acho que ele aprendeu a fazer política. Só a fazer política. Então, é um chefe sob quem esse tipo de coisa pode acontecer. À pergunta ¿Lula sabia?¿ podemos, para responder, usar o episódio do dossiê como exemplo. É claro que ele não sabia desse projeto de compra: teria impedido. Mesmo assim, isso se deu. Quer dizer: ele é um chefe simbólico, sob quem coisas assim acontecem. O importante é que ele, cada vez mais, tome consciência de que deve ser duro com os companheiros quanto a atos desonrosos. Acho que a campanha para o segundo turno pode ir bem se Alckmin resumir as referências ao caso do dossiê à exigência de compromisso, por parte de Lula, de não admitir essa baderna. Claro que as investigações policiais seguem e podem trazer situações explosivas. Mas isso não deve ser puxado pelas campanhas. As campanhas devem ser humildes perante as investigações. Sinceramente, acho que tanto Lula quanto Alckmin podem segurar as coisas nesse tom.

A que se deve tanta popularidade do Lula, ao assistencialismo do Bolsa Família ou à certeza do povo de que ele nada tem a ver com isso?

CAETANO: Há muitos indicadores de melhoras ocorridas no governo Lula. Acho que Fernando Henrique nunca chamou Delfim Neto ou outro economista ligado à ditadura porque é tirado a chique. Palocci ouviu Delfim e Lula foi encorajado por Delfim ¿ o que resultou em crescimento das exportações, melhora da balança comercial. Outros aspectos da economia cotidiana também melhoraram. Muitos deles são efeito de gestos iniciados no governo anterior, outros se devem a ventos favoráveis na economia mundial. Seja como for, acho que esse governo não é simplesmente para se jogar fora. Não me sinto tão sem sintonia com o povo que votou em Lula (eu votei em Alckmin). O pobre percebe as melhoras, reconhece a origem pobre de Lula, conhece mais ele do que os outros candidatos: é natural que vote nele. Não sei se o povo tem certeza de que Lula não tem nada a ver com os desmandos. Mas é um clássico popular dizer que todo político é desonesto. O povo não ia ser mais duro com Lula do que com os outros. Seria preciso pressupor uma má vontade especial com Lula, quando sabemos que é o contrário que acontece.

Lula critica tanto a elite, mas a elite realmente é contra ele?

CAETANO: Estava falando em Delfim Neto e, veja só, Delfim defendeu agressivamente Lula contra mim, contra quem, como eu, se dizia indignado com os escândalos. É bem verdade que ele disse que eu, que me dizia democrata radical, era antidemocrático porque me opunha à opção que, segundo as pesquisas, o povo tinha feito por Lula. É uma visão algo gozada da democracia essa que exige do cidadão que engula suas convicções se elas não estiverem de acordo com as escolhas da maioria. Mesmo que essas escolhas sejam apenas indicadas por pesquisas pré-eleitorais. Para quem conduziu um ¿milagre¿ econômico num governo que não respeitava a liberdade de expressão, faz sentido. Para mim, não. Fui preso para que o governo em que atuava Delfim realizasse seu milagre. Vê-lo agora defender Lula contra mim, em nome do povo e da democracia, é mais do que irônico: é revelador do quanto essas alegações de ¿a elite contra Lula¿ são duvidosas. Claro que há semelhança com Lacerda versus Getúlio. Mas a semelhança é superficial: Lula não é Getúlio, não tem nem o lado estadista nem o lado tirano populista. E a própria chegada dele ao poder já é típica de tempos bem diferentes daqueles. Assim, apesar da divisão dos votos por diferença de classe e por região, Lula é um fenômeno das conquistas de modernização da vida política brasileira, diante da qual esse modelo Lacerda/Getúlio mostra-se obsoleto. As elites intelectuais apóiam Lula. Isso se reflete na imprensa. A sintonia do governo Lula com os interesses dos banqueiros tem sido irrepreensível. A média dos menos pobres e mais escolarizados tendeu a votar agora contra Lula. É só. O que não quer dizer que não haja uma elite que seja intransigente com os delitos ostensivos. Uma elite formada, digamos, por Gabeira, por mim e por uma empregada doméstica evangélica que conheço e que admitiu apagar da memória os vídeos comprometedores exibidos pela Globo em que o bispo líder de sua igreja ostentava má fé.

Denise Frossard ou Cabral?

CAETANO: Por enquanto, penso que vou votar em Lula e Denise Frossard (para confirmar o que disse de mim um crítico, julgando que fosse depreciativo: que sou ¿de centro¿). Mas é apenas o primeiro dia depois do primeiro turno. E pretendo realmente deixar para decidir depois de acompanhar as campanhas. Pode ser que termine votando outra vez em Alckmin. E que alguma coisa, além da amizade com o pai dele, me leve a querer votar em Cabral. Agora, acho mais provável Alckmin ultrapassar Lula do que Denise ultrapassar Sérgio. Se bem que o Rio é useiro e vezeiro em surpreender. Mas surpresa mesmo foi na Bahia!

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