Título: PILOTOS DO LEGACY SÃO PROIBIDOS DE DEIXAR O PAÍS
Autor: Anselmo Carvalho, Bernardo de la Peña e Regina Alv
Fonte: O Globo, 04/10/2006, O País, p. 18

Polícia Federal apreende passaportes dos dois tripulantes americanos do jato que se chocou com Boeing no ar

Beck e Regina Alvarez

CUIABÁ e RIO e BRASÍLIA. A Polícia Federal vai entrar nas investigações sobre as causas do acidente com o Boeing da Gol que matou 155 pessoas e, ontem, já apreendeu, no Rio, os passaportes do piloto Joseph Lepore e do co-piloto Jan Paladino, tripulantes do jato Legacy, que se chocou com o 737-800 em pleno ar na última sexta-feira. A PF requisitará cópia do inquérito aberto pela Polícia Civil de Mato Grosso e só não assumirá o comando das investigações se o juiz de Peixoto de Azevedo (MT) não aceitar transferir o caso para a esfera federal.

Agentes da PF esperaram os dois americanos concluírem exames médicos num centro da Aeronáutica no Rio para cobrar deles a apresentação dos documentos. A apreensão foi determinada pela Justiça de Mato Grosso. Por precaução, a PF incluiu o nome dos dois no Sistema Nacional de Procurados e Impedidos. Com isso, eles ficam impedidos de deixar o país.

Pilotos podem responder por homicídio doloso

A Polícia Civil Civil de Mato Grosso já cogita indiciar Lepore e Paladino caso fique comprovado que eles voavam mil metros acima da altitude prevista para o jato executivo no momento em que o Legacy se chocou com o Boeing da Gol. Para o promotor do caso, Adriano Roberto Alves, da comarca de Peixoto de Azevedo, caso tenha havido o erro, os culpados podem ser denunciados por homicídio doloso (intencional).

¿ Se houve erro, considero dolo eventual. Todos os envolvidos são especialistas. Se alguém procedeu de forma não recomendada, sabia dos riscos ¿ disse o promotor.

Em depoimento à Polícia Civil na madrugada de domingo, os dois americanos disseram que estavam a 37 mil pés (cerca de dez mil metros de altura) e sem contato por rádio com a torre de controle aéreo em Brasília, que até aquele momento era a responsável pelo controle vôo do Legacy para Manaus. De acordo com informações dos investigadores das causas do acidente, o Legacy pilotado pelos americanos teria recebido autorização para voar nesta altitude apenas no trecho entre São José dos Campos, de onde decolou, até Brasília. No restante da viagem até Manaus, o jato teria de estar, pelo plano de vôo original, a 36 mil pés. O Boeing também estava a 37 mil pés.

Aeronáutica suspeita que transponder foi desligado

As autoridades aeronáuticas suspeitam que os americanos, que pilotavam um jato que acabara de sair da fábrica rumo a Manaus e depois para Nova York, teriam desligado o transponder, equipamento que mostra a sua localização no radar e faz parte do sistema anticolisão do avião, logo após passar pelo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego (Cindacta) de Brasília. Sem o transponder ligado, Cindacta só identificou um ponto no radar, indicando a presença de uma aeronave, mas sem a informação mais importante: a altitude.

¿ Se isso for comprovado, serão indiciados o piloto, o co-piloto e quem mandou que eles fizessem isso ¿ disse o secretário de Segurança de Mato Grosso, Célio Wilson de Oliveira.

O Ministério Público do estado pediu ontem que a Polícia Civil ouça os controladores de vôo que atuavam no dia do acidente. O promotor Alves suspeita de falha humana. O delegado Anderson Garcia, que conduz o inquérito, vai pedir à FAB a relação dos controladores de vôo que estavam atuando sexta-feira. Eles foram afastados temporariamente para uma bateria de exames, como prevê a lei em caso de acidentes.

Segundo o delegado, embora o piloto e o co-piloto tenham tido os passaportes retidos, ainda não são considerados suspeitos. A Justiça determinou a retenção dos documentos para evitar que eles deixem o país antes da conclusão das investigações.

De acordo com o secretário, por enquanto existem três hipóteses para o acidente: ou o Legacy voava a uma altitude acima da permitida e sem contato com a torre; ou houve uma autorização da torre para mudança de altura do Boeing, sem que isso fosse informado aos controladores de vôo em Brasília; ou houve uma falha nos equipamentos anticolisão das duas aeronaves, que estariam numa zona entre o espaço aéreo controlado pela torre de Brasília e aquele sob a responsabilidade de Manaus.

Lepore e Paladino fizeram exames clínicos, laboratoriais e testes psicológicos ontem no Centro de Medicina Aeroespacial (Cemal), na Ilha do Governador. Segundo a relações-públicas do Cemal, major Anita, os resultados ficaram prontos ontem mesmo e foram enviados para a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), em Brasília. Os exames são realizados para testar a capacidade física e psicológica dos pilotos, que devem renová-los anualmente e repeti-los após acidentes. Geralmente os exames são feitos em dois dias, mas os americanos levaram apenas um. Eles estavam acompanhados de um advogado e de um representante do Consulado americano e saíram driblando a imprensa.

A asa e o leme do Legacy podem ter atingido os sistemas hidráulicos e o leme do Boeing. As imagens do sistema de controle de vôos da Aeronáutica já analisadas pela comissão que investiga o acidente mostram que o Boeing, logo após o choque, iniciou uma queda livre e pode ter começado a perder pedaços ainda no ar. Nos radares, o registro de altitude indicam a queda vertical do avião, confirmando que não foi possível qualquer tentativa do piloto de estabilizar a aeronave e tentar um pouso de emergência. Nessas condições, segundo informações de técnicos envolvidos na investigação, teria havido uma despressurização violenta, que, combinada com a temperatura de 40 graus abaixo de zero, teria provocado a morte quase imediata dos passageiros, sem grande sofrimento, antes mesmo de o avião chegar ao solo.

A Anac informou que a comissão de investigação, presidida pelo coronel aviador Rufino Antonio da Silva Ferreira, conta com representantes dos fabricantes dos aviões, especialistas da Anac e do comando da Aeronáutica, além de representantes internacionais e de entidades de classe. A comissão tem 90 dias para apresentar relatório com os resultados, mas esse período pode ser ampliado.

*Enviado especial/**Especial para O GLOBO

COLABORARAM Maria Fortuna, Alexandre Galante e Claudio Motta