Título: PELO RALO, VÃO R$234 BI POR ANO
Autor: Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 04/10/2006, Economia, p. 29

Corrupção e ineficiência administrativa consomem um terço da arrecadação, diz IBPT

Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que o país perde, todos os anos, o equivalente a 32% de sua arrecadação tributária com corrupção e ineficiência na administração da máquina pública. Considerando o valor total desembolsado pelos contribuintes no ano passado (R$732,867 bilhões), o desperdício chegou a R$234,517 bilhões.

Com esse dinheiro seria possível levar água e esgoto encanados e tratados às casas de todos os moradores do país. Custo da obra: R$220 bilhões, segundo estimativa da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe). O suplício de quem trafega por estradas esburacadas também seria resolvido com a aplicação correta de recursos públicos. Pelas contas da Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib), os governos federal e estaduais teriam verba suficiente para recuperar os 156 mil quilômetros da malha atual e ainda haveria o suficiente para assegurar sua manutenção por cerca de 60 anos consecutivos.

Os R$234,5 bilhões também poderiam ser empregados na construção de 13 milhões de moradias populares (ao custo unitário de R$17 mil) ou de 19,5 milhões de salas de aula equipadas (a R$12 mil, em média, cada uma).

Mais de 22 mil casos analisados

Para chegar a esses números, o IBPT pesquisou 22.158 casos envolvendo notícias na imprensa, denúncias e processos efetivamente constituídos pelos tribunais de contas, registrados nos últimos 17 anos. Dos casos já julgados por órgãos da administração pública federal, estaduais e municipais dos três Poderes, em 32% houve comprovação de corrupção ativa ou desleixo administrativo.

¿ A corrupção é uma verdadeira praga. Consome boa parte das riquezas do país ¿ afirma o presidente do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral.

O levantamento do instituto considera escândalos novos e antigos. Começa nos anos 90 com PC Farias, passa pelos precatórios, ¿propinoduto¿ do Rio, denúncias nas privatizações até os mais recentes escândalos de sanguessugas e mensaleiros, entre outros. Da amostra total, cerca de três mil se referem a ações civis públicas por improbidade.

O IBPT fez ainda uma distinção. O desperdício não passaria apenas pela corrupção ¿ ¿uma palavra bonita para dizer roubo¿, diz Amaral. Foi catalogada também na forma de superfaturamento e de desvio de finalidade. Aqui, entram o nepotismo, obras inacabadas e o uso de impostos ¿carimbados¿ para finalidades diversas (como recursos da CPMF que, em vez de seguir para a Saúde, acabam engrossando as estatísticas de superávit primário).

Como nunca conseguem fechar as contas, os governos têm apelado cada vez mais para o aumento de impostos. A carga tributária, que equivalia a 29,21% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1990, chegou a 37,82% em 2005. A previsão para este ano é crescer mais um ponto percentual. Amaral, do IBPT, estima que essa mordida poderia voltar para os 29% se o país desse jeito nos elevados índices de corrupção.

A preocupação com isso fez aumentar o número de entidades e ONGs criadas com a finalidade de fiscalizar o poder público. Ex-presidente da Alcoa e da Klabin, o executivo Josmar Verillo é hoje conselheiro da Amarribo, uma ONG de Ribeirão Bonito, município com 11 mil habitantes no interior de São Paulo. No mês passado, a cidade foi palco de um encontro nacional de entidades.

¿ Contamos mais de 120 novas ONGs criadas nos municípios só nos últimos dois anos ¿ afirma Josmar Verillo.

Desde 2003, 60 prefeitos afastados

O maior desafio continua sendo conseguir acesso livre aos dados das administrações públicas. O jeito, invariavelmente, tem sido recorrer à Justiça. O esforço tem compensado. Um levantamento da própria Amarribo mostra que mais de 60 cidades tiveram seus prefeitos afastados, cassados ou até presos devido a irregularidades na gestão de recursos públicos desde o ano de 2003.

¿ Em 2002, Ribeirão Bonito perdia até 22% do seu orçamento com corrupção e ineficiência. Hoje, diria que estamos em 4%.

A Amarribo virou referência nacional para outras entidades do gênero. Foi constituída em 1999 para pedir a destituição do então prefeito Sergio Buzzá, acusado de enriquecimento ilícito. Diante da pressão, Buzzá renunciou ao cargo, mas não conseguiu escapar de um processo de impeachment instalado na Câmara dos Vereadores na cidade. Ficou ainda preso por 13 meses.