Título: Seletividade ou balaiada
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 05/10/2006, O GLOBO, p. 2
O prefeito Cesar Maia é o político brasileiro que mais entende de pesquisas e o que melhor uso faz delas. Para ele ter reagido tão visceralmente, e a candidata ao governo do Rio pelo PPS, Denise Frossard, ter tomado atitude tão extrema, as pesquisas devem ter apontado como graves as conseqüências do apoio dos Garotinho a Geraldo Alckmin. A crise da campanha tucana no Rio empana o ambiente positivo criado pelo desempenho espetacular de domingo, que levou Alckmin ao segundo turno.
A euforia que se segue ao êxito costuma neutralizar a cautela, assim como a depressão trazida pela derrota tende a fortalecer a vigilância contra os erros e as precipitações. Cesar pode ter razões muito objetivas para dizer que o apoio dos Garotinho equivale ao ¿beijo da morte¿ na candidatura de Alckmin. Os tucanos discordam, acham que o apoio do casal pode ser muito importante no interior, sobretudo no Norte fluminense e na Baixada. E invocam o velho postulado de que em segundo turno não se recusa apoio. Tem-se que ganhar de balada. Depois, separa-se o trigo. Lula também tem aliados incômodos, alguns lhe deram grandes prejuízos, como Newton Cardoso em Minas. Mas não fez, até agora, alianças que lhe tenham custado abalos na coligação principal. Para Alckmin, a coligação principal é com o PFL, representado no Rio pelo prefeito. Ainda que os tucanos estejam certos na avaliação eleitoral ¿ de que há mais ganhos que perdas com o apoio dos Garotinho ¿ houve precipitação na formalidade de recebimento do apoio, que teria sido mediada pelos deputados Moreira Franco e Michel Temer. Eles são acusados pelo PFL de precipitar o encontro para evitar o veto de Cesar Maia e Frossard, que rompeu com Alckmin e anunciou que votará nulo para presidente, atitude legítima mas eleitoralmente esquisita. Seu eleitorado fica solto e indefeso.
O que está em jogo no Rio é basicamente o espólio da senadora Heloísa Helena, que também declarou voto nulo para o segundo turno presidencial, liberando seu eleitorado: no Rio, ele representou no primeiro turno 17,3% da votação total, ou 1.425.699 votos. Lula teve 49,18%, ou 4.092.648 votos. Alckmin ficou com 28,86%, ou 2.402.076 votos. Ao trocar apoio com o candidato mais votado para o governo do estado, senador Sérgio Cabral, neutro no primeiro turno, teoricamente Lula habilitou-se a ganhar eleitores que não lhe deram o voto no domingo. Mas precisa alcançar um eleitorado de esquerda que está muito além do palanque de Cabral. Para isso, ontem ele chamou a Brasília a deputada Jandira Feghali, do PCdoB, incorporou-a ao comando nacional da campanha e dando-lhe a tarefa de coordenar a ofensiva no Rio. Jandira perdeu o Senado para Francisco Dornelles, mas teve uma votação espetacular, de três milhões de votos, entre os quais deve haver muito eleitor da senadora. O eleitorado de Heloísa Helena no Rio não deve ser integralmente de esquerda, não deve ter uma nitidez ideológica que impeça o apoio a Alckmin. Mas a rejeição aos Garotinho, sim, seria um empecilho de monta, favorecendo a captura deste voto por Lula. Consertar esse estrago não será fácil, apesar de tantos bombeiros mobilizados ontem.