Título: MULHERES ASSUMEM CADA VEZ MAIS SUSTENTO DA CASA
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 05/10/2006, Economia, p. 39

Elas já são quase 30% do total das trabalhadoras. Em média, têm mais de 40 anos e criam sozinhas os filhos

Elas têm mais de 40 anos, trabalham mais, ganham mais, criam sozinhas seus filhos e estudaram menos. Elas são as mulheres que mandam e sustentam a casa e que já representam 29,6% de toda a população feminina que está empregada. Esse foi o retrato apresentado pelo IBGE ontem, ao lançar o estudo sobre essas trabalhadoras chefes de família que somam 2,7 milhões em seis regiões metropolitanas.

E é uma população em constante crescimento. Em 2002, elas representavam 25,6% de todos os chefes de família. Em agosto deste ano, já eram 28,1%. E essa expansão no número de mulheres sustentando suas próprias casas deve continuar, na opinião de especialistas:

¿ É uma tendência já verificada em outras pesquisas e que mostra a autonomia econômica alcançada pelas mulheres que não aceitam mais, pelo menos uma parte delas, a opressão masculina dentro de casa. É uma nova estrutura familiar, que já se formou na Europa, por exemplo ¿ explicou a socióloga Elisabete Dória Bilac, do Núcleo de Estudos Populacionais da Unicamp.

Mais de 20% estão no trabalho doméstico

Essa autonomia foi o maior valor conquistado pela trabalhadora doméstica Angelice Maria Lima dos Santos, ao decidir viver sozinha ¿ tem três filhos adultos que não moram com ela ¿ quando se separou do marido, há três anos. O orçamento apertou, mas a liberdade e a felicidade compensaram a perda de renda.

¿ Estou adorando morar sozinha, mesmo com o orçamento mais apertado. Sou mais feliz. Tenho liberdade para fazer o quiser, dormir na hora que quiser. Não devo mais satisfação a ninguém ¿ diz Angelice, 48 anos, que completou o Ensino Fundamental.

Essas características são marcantes nessa população que, em média, tem 43,5 anos de idade e 8,6 anos de estudo. A atividade de Angelice também é a que mais emprega mulheres chefes de família: 21,6% delas são trabalhadoras domésticas. Maior que as das mulheres ocupadas em geral (18%), mostrando a precariedade presente na forma de inserção dessas mulheres no mercado de trabalho:

¿ No censo demográfico de 1960, 25,5% das mulheres que trabalhavam eram empregadas domésticas. Em 46 anos, esse percentual pouco se mexeu ¿ chama a atenção a economista da UFF e especialista em questões de gênero Hildete Pereira de Melo.

Para ela, a também persistente desigualdade de renda brasileira está por trás dessa maciça participação das mulheres no serviço doméstico:

¿ Se a renda fosse mais igualitária, elas estariam distribuídas em outras atividades. A demanda por esse serviço está sempre aquecida pela má distribuição de renda.

Outro dado da pesquisa que mostra a precariedade do trabalho das chefes está no percentual de ocupadas com carteira assinada. Enquanto, para o total da população ocupada feminina, 35,4% têm proteção social com o registro em carteira, para as chefes da casa, esse percentual baixa para 29%. A jornada é outro sinal: a carga é de 39,3 horas contra 38,7 do total das ocupadas.

Para Hildete, a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho garantiu mais autonomia econômica: antes de 1970, a taxa de participação feminina (o percentual de mulheres que trabalham e procuram emprego sobre o total com 10 anos ou mais) subiu de 20% para 45%.

¿ A subordinação feminina está em declínio, mas o preço é alto. Não há creches e estruturas públicas para atender a essa nova família. A mulher arca com todas as responsabilidades ¿ diz Hildete.

E o levantamento do IBGE mostra isso: 50,6% moram somente com os filhos. Como Marilene Gomes Pimentel. Aos 39 anos, sempre foi ela que sustentou a casa:

¿ Nunca tive ajuda de marido. Crio a minha filha de 12 anos e meu sobrinho de 18 anos sozinha.

Há três meses está desempregada, vivendo com o seguro e com o que recebeu do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A ajuda do sobrinho complementa a renda da família.

Enquanto a média captada pela pesquisa mostra rendimento de R$927,10 para as chefes de família, as mulheres que sustentam seus filhos sozinhas ganham R$827,36, rendimento 10,7% menor:

¿ Os maiores rendimentos estão nas casas onde as mulheres moram sozinhas, sem companheiro ou filhos. Essa parcela das mulheres chefes ganha R$1.270,08. Por serem mais escolarizadas, têm ocupações melhores e, portanto, recebem mais ¿ explicou Luciene Rodrigues Kozovits, analista da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE, responsável pela pesquisa.

Um quarto das chefes vive com o marido

Quase um quarto das mulheres chefes do domicílio, 24,4%, vive com seus maridos. Percentual baixo, mas que representa uma mudança cultural importante. Mesmo sem ser a principal fonte de renda da família, normalmente o homem é considerado o chefe:

¿ Antigamente, nem com lanterna acesa encontrava-se essa família ¿ diz Hildete.

Nessa forma de arranjo familiar está incluída a acompanhante Ana Lúcia Tavares Ribeiro. Aos 41 anos, três filhos, um neto e mais uma a caminho, é responsável pelas despesas da casa. Seu salário de R$450 paga as contas da casa, enquanto o do marido eletricista fica para a prestação do carro:

¿ Sou casada há 12 anos e ele usa o carro para trabalhar. O dinheiro é curto, mas dá para as despesas ¿ diz Ana Lúcia, que mora com duas filhas e um neto.

A chefe que mora com o marido pode esconder uma mazela econômica, lembra a socióloga Elisabete Bilac, da Unicamp. Para ela, o desemprego masculino explica em parte esse aumento da parcela de chefes casadas:

¿ Há também uma mudança nesse perfil patriarcal das famílias brasileiras.

Elisabete diz que o motivo de a idade média das provedoras ser maior que a total das ocupadas (43,5 anos contra 37,2 anos) é fácil de explicar. A emancipação feminina se dá com a separação, enquanto o homem se emancipa dos pais ao se casar:

¿ Os homens assumem a casa mais jovens. As mulheres, não. Isso acontece, na maioria das vezes, só quando se separam. Além disso, as mulheres vivem mais ¿ lembra.